São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1995
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Livro usa filmes antigos para rever história do cinema

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Chega nos próximos dias às lojas do ramo um livro que vira de cabeça para baixo a concepção usual da história do cinema.
"O Primeiro Cinema - Espetáculo, Narração, Domesticação", de Flávia Cesarino Costa (editora Scritta), mostra que aqueles filminhos tremidos, anárquicos e absurdos da virada do século, que costumávamos chamar de "primitivos", não representam uma trôpega "infância" do cinema.
Pelo contrário: eram um manancial riquíssimo de invenção e poesia, que nas décadas seguintes foi canalizado para o leito apertado do cinema clássico, aquele em que o tempo e o espaço são contínuos e a narração é "invisível".
O objetivo de Flávia Costa não é tanto o de fazer a apologia desse "primeiro cinema" (que vigorou entre 1894-5 e 1906-08), embora tenha sido seu amor por esses filmes que a levou a cinco anos de pesquisa sobre o tema.
O que ela pretende é servir-se desses primeiros filmes para desmontar o viés conservador e equivocado da historiografia tradicional, que vê no cinema narrativo clássico a culminância de um processo evolutivo linear e natural, em que ao progresso técnico corresponderia um "progresso" estético e de linguagem.
Baseada numa bibliografia renovadora surgida nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra nos últimos 15 anos, Flávia Costa revê a história das primeiras décadas do cinema como um processo de domesticação do potencial crítico e criativo do novo meio, até sua institucionalização como divertimento familiar de classe média.
Grosso modo, num primeiríssimo momento (até 1905), o cinema era uma atração em feiras, exposições e teatros de vaudeville. A partir de 1905, com o sucesso do novo meio, passou a ser atração exclusiva em auditórios populares frequentados por um público masculino de operários e marginais. Nesse segundo momento, a produção e a distribuição de filmes se tornaram atividades industriais.
O passo seguinte foi a auto-regulamentação dessa indústria e sua institucionalização para atrair o público feminino e as famílias de classe média. O livro combina a história desse processo sociocultural à análise dos filmes propriamente ditos, mostrando como as mudanças destes últimos se ligavam ao contexto histórico.
No centro do processo de mudanças dos filmes das primeiras décadas está a dialética entre espetáculo e narração. Nos primeiros filmes predominava a idéia de espetáculo. A narração, quando existia, era tênue e descontínua.
No processo de domesticação, o espetáculo cede espaço à narração, e as imagens passam a ter sentido apenas em seu encadeamento narrativo. A montagem ganha destaque e se sofistica até chegar à chamada decupagem clássica -o modo de organização das imagens que "esconde" a realização do filme e induz o espectador a deixar-se levar pela narração.
"O Primeiro Cinema" não é um livro voltado para o passado, mas sim para o futuro. Ao limpar a história do cinema dos preconceitos evolucionistas, limpa também os olhos dos espectadores para as possibilidades da imagem.
O que se coloca em xeque é a idéia de que existe um "verdadeiro cinema", ao qual as sucessivas descobertas e conquistas técnicas teriam de levar inevitavelmente. O livro de Flávia Costa mostra, ao contrário, que o cinema ainda está sendo inventado.

Livro: O Primeiro Cinema - Espetáculo, Narração, Domesticação
Autora: Flávia Cesarino Costa
Páginas: 204
Preço: não divulgado

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