São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1995
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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Empréstimo compulsório e calote oficial
O empréstimo compulsório soa como um calote oficial à vista
No projeto de reforma tributária do governo federal, está embutida a criação de empréstimo compulsório para absorção temporária de poder aquisitivo do povo, por medida provisória e sem respeito ao princípio da anterioridade.
Sobre retirar a garantia da lei complementar -que é o veículo atual para instituição de empréstimos obrigatórios em caso de calamidade pública, guerra e investimento urgente, pois compromete metade mais um dos congressistas de cada Casa parlamentar-, reintroduz tipo de imposição que, no passado, foi utilizado sem critério e nunca para absorção temporária de poder aquisitivo, de resto inexistente num povo pobre.
Quanto ao princípio da anterioridade, não creio que nem sequer passe no controle de constitucionalidade exercido pela Suprema Corte, que já o preservou quando da criação do IPMF.
O certo, todavia, é que o governo quer um instrumento tributário para poder ficar com o dinheiro da sociedade -principalmente o aplicado no mercado financeiro, como já o fez, no passado, a ministra Zélia Cardoso- sempre que o seu endividamento público for superior a sua capacidade de gerar recursos para financiá-lo, utilizando-se nesse caso da apropriação, que deixaria de ser indébita, porque constitucional, das riquezas do povo para suprir sua incompetência gerencial.
Por ser o governo incapaz de administrar a coisa pública, deverá não ele, mas a sociedade ser punida sempre que o Estado se utilizar desse aético recurso.
Tem o presidente da República insistido que pretende ter o medicamento indecente, mas que nunca o utilizará, o que faz o homem comum perguntar: se nunca será utilizado por que criá-lo?
E é aqui que ficam minhas dúvidas sobre a palavra do presidente da República de que não tenciona utilizá-lo, até porque, em matéria tributária, prometeu simplificar o sistema, reduzindo a parafernália de incidências superpostas (IPI, ICMS, PIS, Cofins, Pasep, ISS etc.), mas seu projeto, sobre preservá-las, eleva a carga tributária.
Assim é que alarga a competência residual da União -assim como o elenco das imposições-, recupera para o governo federal os cinco impostos que perdera em 1988 e torna, pela primeira vez, o comércio sujeito a um tributo federal idêntico ao estadual, que, por sua vez, continua. O comércio passará a suportar duas tributações idênticas, quando hoje possui uma só.
Se prometeu simplificar o sistema durante a campanha presidencial e envia projeto que o complica, tenho minhas dúvidas de que não venha a utilizar tal empréstimo compulsório se aprovada a emenda que o introduz na Constituição.
Meu receio decorre das notícias veiculadas pela imprensa recentemente de que a dívida mobiliária da União, graças à política de juros altos do governo, aumentou consideravelmente, não tendo os Estados e a União recursos senão para pagar seu funcionalismo e girar o que devem, isto é, o dinheiro da sociedade que foi emprestado para os governos e que foi mal gerenciado.
Ora, como o Estado é tímido em seus projetos de privatização, sendo o Brasil o país da América Latina que menos se utilizou do saneador mecanismo, e como a formação acadêmica socialista de grande parte da equipe não lhe permite lancetar fundo o tumor da máquina administrativa esclerosada, a solução temporária será, no futuro, apropriar-se do dinheiro da sociedade para cobrir sua incompetência, sendo o empréstimo compulsório pretendido útil instrumento para formalizar o calote oficial.
É de se lembrar que o governo de São Paulo vem lutando para manter em suas mãos um banco falido, que teve tratamento privilegiado por parte do governo federal. Com efeito, o decreto-lei 2.321/87 permite a administração temporária para bancos públicos e privados, tendo o governo adotado, em relação ao banco paulista, sistema de garantia para seus depositantes retirado do banco baiano. Mas como mantê-lo se o governo paulista gasta R$ 1,8 bilhão para girar a dívida e recebe apenas R$ 1,1 bilhão de ICMS?
Em outras palavras, as dívidas mobiliárias e o funcionalismo estão consumindo as unidades federativas, podendo o governo federal perdoá-las ou renegociá-las a perder de vista, desde que supra o calote de que será vítima, transferindo-o à sociedade por meio do empréstimo a ser criado.
Não me parece desavisado o raciocínio, mormente quando o governo federal abriu mão de lutar por uma interpretação adequada junto à Suprema Corte, do artigo 38 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição, que não permite que mais de 65% da receita dos tributos -esse é o ponto a ser interpretado de forma coerente com a intenção do constituinte- seja gasta com a mão-de-obra da administração direta e indireta.
Em outras palavras, se o Orçamento, como os jornais estão sinalizando, demonstra que os dispêndios com a mão-de-obra oficial é superior à capacidade da sociedade de gerar recursos, não podem prevalecer, nesse caso, os vencimentos que estão sendo pagos em todos os níveis. Deveriam ser reduzidos, proporcionalmente, até àquele limite e só recompostos quando os desperdícios diminuíssem e o Estado ficasse menor.
Nenhuma lei complementar poderia alterar o espírito de dispositivo constitucional, razão pela qual, em vez de criar instrumentos que, no mínimo, geram intranquilidade -como o do empréstimo compulsório pretendido-, deveria o governo regulamentar de forma definitiva -e não como o fez no passado- o artigo 38 do ADTC. Não o fazendo, o empréstimo compulsório para absorção temporária do poder aquisitivo soa-me como um calote oficial à vista.

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