São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Iniciativas tributárias pró-investimentos

ANTONIO KANDIR

No artigo "Reforma Tributária, Globalização e Federalismo" (Folha, 15/9), argumentei que a questão fundamental da reforma tributária é promover mudanças que, simplificando e racionalizando o sistema, sem simplismos incompatíveis com a estrutura federativa e o regime democrático, estimulem o investimento produtivo na perspectiva de integração crescente da economia brasileira na economia global.
É esse o espírito da proposta de reforma tributária do governo, bem como das propostas em exame na Subcomissão de Reforma Tributária da Câmara.
Vejamos como esses objetivos se traduzem em 12 iniciativas-chave, divididas em sete conjuntos temáticos.
Barateamento dos bens de capital
1) Eliminação de custo tributário na aquisição de máquinas e equipamentos permitindo à empresa creditar-se de ICMS e IPI que foram cobrados em sua fabricação e venda.
Desoneração de exportações
2) Numa economia globalizada, para estimular de modo efetivo o investimento, é decisivo oferecer, em bases permanentes, condições favoráveis às exportações. Hoje as empresas líderes já não estabelecem suas estratégias visando apenas o mercado doméstico em que estejam instaladas.
Elas buscam maximizar a competitividade dividindo seus processos produtivos em escala global, com o objetivo de conquistar e manter a liderança no mercado internacional como um todo.
Por essa razão, os países mais aptos a atrair investimentos de grande porte são aqueles que se apresentam como bases poderosas de exportação. Daí a importância de eliminar toda e qualquer incidência de impostos sobre vendas externas.
3) É crucial iniciar a transição para o regime de destino na cobrança de ICMS, pois o pleno estímulo às exportações só poderá ser alcançado com a adoção definitiva desse regime. Para que esse ponto fique claro, imagine a situação hipotética de um exportador que adquire os insumos necessários à sua produção em outro Estado.
Enquanto o imposto cobrado na operação interestadual pertencer, ainda que parcialmente, ao Estado de origem, o Estado onde a exportação se realiza terá pouco estímulo para atrair empresas cuja competitividade dependa da "importação" de insumos, uma vez que o Estado em que a exportação se realiza tem de conceder crédito sobre uma "parte" do imposto que ele não arrecadou.
A proposta de criação do ICMS federal tem como principal vantagem eliminar esse problema, iniciando a transição para o regime do destino.
Definição de condições de concorrência saudável
A realização de investimentos implica confiabilidade quanto às condições de concorrência. Daí a importância de:
4) eliminar a possibilidade de haver redução artificial de preços decorrente de concessão de financiamento ou ressarcimento direto ou indireto de impostos, ou seja, de benesses que favoreçam empresas específicas;
5) assegurar a cobrança de direitos e imposição de limites e sanções em caso de importações que configurem prática desleal de comércio externo, inclusive sobre importações já desembarcadas;
6) assegurar a cobrança dos mesmos impostos sobre importações, inclusive as feitas por pessoa física.
Diminuição da incerteza quanto à carga tributária futura
7) A sonegação é fator de incerteza quanto à carga tributária futura e, como consequência, fator de desestímulo ao investimento. Não é difícil entender por quê. Faça o raciocínio de um empresário do setor formal frente à decisão de investir ou não.
Para ele, quanto menor a sonegação, menor sua incerteza com relação à carga tributária futura; quanto menor sua incerteza em relação à carga tributária futura, menores serão as taxas de retorno exigidas nas decisões de investimento (diante de risco elevado de arcar com carga adicional de impostos no andamento do projeto, o empresário tende a exigir um diferencial maior no fluxo de despesas e receitas para decidir pelo investimento); em conclusão, quanto menores as taxas de retorno exigidas no momento de decidir por um investimento, maiores as chances de que os investimentos efetivamente se realizem.
O projeto do governo ataca o problema ao estabelecer que não haverá diferença, para um mesmo conjunto de mercadorias, entre as alíquotas cobradas nas operações inter e intraestaduais. Acaba assim com o incentivo a falsas operações interestaduais ("passeios de notas fiscais").
8) É preciso avançar ainda no tocante ao processo administrativo fiscal. Hoje existem, na esfera da administração fiscal, processos que montam a R$ 60 bilhões em débitos (há processos de mais de 20 anos). Aperfeiçoar o processo administrativo fiscal é importante sobretudo para melhorar o fluxo de receitas, diminuir a incerteza quanto à carga tributária futura e consequentemente estimular o investimento.
Redução do custo do capital e harmonização de nossa estrutura tributária com as de outros países emergentes e do Mercosul
Para tanto é fundamental:
9) reduzir as alíquotas de IRPJ, sobretudo de empresas menores. A proposta do governo contempla esse objetivo, ao estabelecer alíquota de 15% para empresas com lucro de até R$ 240 mil;
10) estimular a capitalização das empresas. Também esse objetivo está na proposta do governo relativa ao IRPJ, na medida que se permite abater da base tributável o valor correspondente aos juros hipotéticos sobre o capital próprio (tomando como referência a TJLP).
Diminuição do custo da produção agrícola
11) O projeto do governo contempla esse objetivo ao isentar de ICMS os insumos e máquinas agrícolas. Afora o estímulo direto ao investimento nesses setores, a medida representa, a médio prazo, contribuição importante à melhoria da qualidade da mão-de-obra, pois a diminuição dos custos da produção agrícola terá impacto favorável sobre o preço dos alimentos.
A melhoria da qualidade da mão-de-obra, por sua vez, constitui estímulo ao investimento no conjunto da economia, visto que a capacidade de aprendizado da mão-de-obra, que tem a ver com a qualidade e quantidade de alimentos consumidos, é hoje variável terminante da competitividade.
Redução dos encargos sociais
12) É no capítulo das contribuições sociais que se encontram as maiores distorções da estrutura tributária brasileira (temos 21 contribuições contra uma média internacional ao redor de três). Mas a questão não é apenas aritmética. O problema está também na base de incidência dessas contribuições (faturamento e folha de salários) e na sua cumulatividade.
A conjunção desses fatores gera dois tipos de problemas interligados. Do lado do setor privado, inibe o investimento e desestimula a contratação formal de mão-de-obra. Do lado do setor público, cria dificuldades crescentes, à medida que a economia se informaliza, para financiar os gastos da seguridade social (aumentando a incerteza com relação à carga tributária futura).
Trata-se, portanto, de promover as seguintes mudanças: reduzir as contribuições a número não superior a cinco; diminuir a cumulatividade e definir nova base de incidência para as contribuições sobre o faturamento e parte das contribuições sobre folha de salários.
Dadas as dificuldades de estabelecer um adicional de ICMS, o que elevaria excessivamente a alíquota desse imposto, e a inconveniência de adotar-se uma taxa sobre movimentação financeira, por conta dos efeitos cumulativos, a solução, que não é trivial, deverá encaminhar-se para a incidência sobre uma forma particular de lucro bruto.

Texto Anterior: CASA CHEIA; PREVISÃO; ENFIM; DESPREOCUPAÇÃO
Próximo Texto: Tribunal sobre o trabalho infantil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.