São Paulo, sábado, 23 de setembro de 1995
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Suspensão condicional do processo (A revolução que tardava)

LUIZ FLÁVIO GOMES

O poder político (Legislativo e Executivo), dando uma reviravolta na sua clássica política criminal fundada na "crença" dissuasória da pena severa (deterrance), corajosa e auspiciosamente, na lei -ainda não sancionada- que cria os juizados especiais cíveis e criminais (Projeto Temer, Jobim e Abi-Ackel), está disposto a testar uma nova via reativa ao delito de pequena e média gravidade, pondo em prática um dos mais avançados programas de "despenalização" do mundo, o que significa menos pena de prisão sem afetar o caráter ilícito da conduta.
Além de exigir representação nas lesões leves e culposas, em todos os crimes cuja pena mínima não exceda a um ano, será possível a suspensão condicional do processo, que representa, segundo nosso ponto de vista, a maior revolução no processo penal nos últimos 50 anos. Quando, ab initio, tendo em vista tratar-se de primário, bons antecedentes, boa personalidade, boa conduta social etc, já se vislumbra que haverá possibilidade de concessão futura do "sursis" (suspensão da execução da pena já aplicada), permite-se, desde que haja aceitação do acusado e seu defensor, a suspensão do processo, mediante condições, iniciando-se prontamente o período de prova, de no mínimo dois anos, sem se discutir a culpabilidade.
Em troca dessa aquiescência, o sistema legal oferece a não realização do interrogatório e tampouco haverá colheita de provas (audiências), sentença, rol de culpados, reincidência, maus antecedentes etc. E, se as condições da suspensão, dentre elas está evidentemente a reparação dos danos à vítima, são inteiramente cumpridas e nova infração não vem a ser cometida, a punibilidade resultará extinta. É como se aquele fato nunca tivesse ocorrido na vida do imputado.
A suspensão do processo, reivindicada há anos pela doutrina nacional, particularmente pelo processualista Weber Martins, tem por base o princípio da oportunidade (o Ministério Público poderá dispor -"poder-dever", evidentemente- da ação penal) e sua finalidade suprema é a de evitar não só a estigmatização decorrente da sentença condenatória (o que ocorre na probation), senão, sobretudo, a derivada do próprio processo (que já é uma tortura). É indiscutivelmente a via mais promissora da tão esperada desburocratização da Justiça Criminal (cerca de 50% do movimento forense criminal poderá ser reduzido), ao mesmo tempo em que permite a pronta resposta estatal ao delito, a imediata, na medida do possível, reparação dos danos à vítima, o fim das prescrições (esta não corre durante a suspensão), a ressocialização do autor do fato e sua não reincidência, uma fenomenal economia de papéis, horas de trabalho etc.
Além de tudo, é instituto que será aplicado imediatamente por todos os juízes (não só os do juizado), não requer absolutamente nenhuma estrutura nova e permitirá que a Justiça Criminal finalmente conte com tempo disponível para cuidar com maior atenção da criminalidade grave, reduzindo-se sua escandalosa impunidade.
As vantagens da suspensão condicional do processo (que superam em muito as desvantagens) chegam a pôr em xeque até mesmo a conveniência da criação dos juizados especiais criminais, que requererão estrutura nova, novos cartórios, mais juízes etc. Entre aplicar imediatamente a suspensão do processo para os crimes (e, por extensão, por força do princípio da igualdade, às contravenções), cuja pena não exceda a um ano, e criar uma nova, cara e complicada estrutura judiciária (juizados criminais), o bom senso indica que devemos privilegiar a primeira alternativa.
A possibilidade de aplicação do novo instituto durante a vacatio legis (60 dias) é tema muito controvertido, havendo tendência jurisprudencial em sentido contrário, em razão da possibilidade de a lei ser revogada antes de entrar em vigor. Cremos que uma segunda suspensão só seria possível depois de cinco anos. A nova lei tem caráter penal (prevê extinção da punibilidade), logo, conta com retroatividade constitucional, alcançando todos os casos não julgados definitivamente, com ou sem instrução encerrada.

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