São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Imposto sobre circulação financeira

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

À margem das considerações de natureza técnica ou política que possam determinar um posicionamento favorável à proposta Jatene (de estabelecimento de uma contribuição sobre movimentação financeira vinculada à saúde), a questão deve ser encarada a partir de uma perspectiva estrutural.
Sendo um dos vetores dinâmicos do processo de reestruturação e globalização da economia, as transações financeiras constituem uma das poucas bases potenciais de arrecadação futura na qual é possível ancorar o aumento da receita pública sem penalizar os setores produtivos e segmentos sociais que, atualmente, mais contribuem com uma carga tributária globalmente baixa, mas socialmente injusta.
Este artigo não pretende incursionar nas questões ligadas a uma reforma fiscal em profundidade. Seu propósito é bem mais modesto: retomar o tema da suposta regressividade do IPMF, a partir de uma simulação que reproduz a hipotética distribuição da carga tributária entre os diversos segmentos sociais, tipificados a partir da sua participação na renda.
Dada a dificuldade em simular as transações entre empresas e instituições financeiras, os resultados apresentados neste artigo cobrem somente uma base menor de arrecadação, que se limita às pessoas físicas, sobre as quais incidiria um imposto similar ao IPMF, mantida a alíquota de 0,25%.
As conclusões do exercício que fundamentam a tese da progressividade são as seguintes:
1. Os segmentos de menores rendas, com rendimento médio mensal de 1,3 salários mínimos, e metade do grupo com rendimento médio de quatro salários mínimos -representam 70,6% da população-referência (pessoas com 10 anos e mais de idade, economicamente ativas e com rendimentos)-, que, se supõe, não utilizam o sistema bancário, não são atingidos pelo tributo.
2. Dentro dos 29,4% restantes, que operam por meio do sistema bancário, o peso da tributação recai fundamentalmente sobre o segmento de maiores rendas (com rendimentos acima de 20 salários mínimos por mês e rendimento médio mensal de 38,7 salários mínimos).
Este último segmento, que representa escassos 3,4% da população-referência e menos de 12% do universo de pessoas com contas bancárias, e detém 29,2% da renda total, responderia por 63,5% da arrecadação da parcela do IPMF pago por pessoa física.
O grupo de rendimentos médios inferiores (entre 7,2 e 14,2 salários mínimos), que representa 62% do universo tributado e 18,2% da população-referência, contribui com 31,1% da arrecadação, enquanto sua participação na renda é de 38,6%.
Até mesmo o segmento médio-alto, com rendimento médio de 14,2 salários mínimos, tem uma participação na arrecadação inferior à sua importância na renda total.
Ou seja, o argumento de que o imposto penalizaria basicamente a classe média não se justifica. Este é um imposto que penaliza sobretudo as pessoas que fazem da circulação financeira de suas aplicações uma fonte extra e muitas vezes considerável de renda.
3. As alíquotas médias efetivas que recaem sobre os membros de cada grupo são também progressivas, variando de 0,25% (se referida somente àquela parte do grupo de mais baixa renda, aquela que é tributada uma só vez, por exemplo, quando saca o seu salário) até 0,70% no grupo de rendimento médio mensal de 38,7 salários mínimos.
A progressividade das alíquotas está determinada pelos valores atribuídos aos coeficientes de circulação financeira. A hipótese central é que aos maiores níveis de renda correspondem maiores coeficientes de poupança, e que seja maior a proporção desta que provavelmente se destine a aplicações financeiras.
A parte da renda que se destina a essa finalidade se expressa no coeficiente de aplicações financeiras. Esta, por sua vez, está associada a um maior número e volume de transações, ou seja, uma maior rotatividade dos créditos e débitos financeiros. A relação entre o volume de transações realizadas durante o ano e a renda determina a magnitude do coeficiente de circulação financeira.
4. Finalmente, o índice de progressividade, apresentado no exercício de simulação (que expressa a relação entre os diferenciais de tributação e de rendimentos médios entre os diversos grupos tributados), apresenta valores absolutos crescentes e maiores do que a unidade.
Isso indica que não só os setores de maiores rendimentos pagam relativamente mais impostos, como também pagam em uma proporção bastante superior às diferenças entre seu rendimento médio e os dos demais grupos.
Em conclusão, o imposto pune apenas os "rentistas", sejam eles "formais" ou "informais".
Do ponto de vista das empresas (não contempladas no exercício), quanto maior o volume de saques, isto é, o seu coeficiente de circulação que corresponde ao volume e à taxa de rotação de seu capital líquido financeiro, tanto maior a participação do imposto sobre o volume de receita aplicada no sistema financeiro.
Os fatores indiretos sobre os preços são difíceis de simular, mas a julgar pelos resultados da arrecadação do IPMF, no ano de 1994, não devem ser significativos a uma alíquota nominal de 0,25%. Só isso explica a aparente neutralidade e estabilidade do IPMF frente às violentas flutuações da inflação entre janeiro e julho, e julho e dezembro de 1994.
Com uma alíquota baixa, esse tipo de imposto não causa (como não causou) desintermediação financeira do tipo da que ocorreu na Argentina com o seu "imposto cheque". Mesmo que se suponha um coeficiente de rotação ou de circulação financeira de quatro vezes o volume de capital líquido (o que aparentemente não é o caso da maioria das operações de crédito/débito), a alíquota efetiva subiria de 0,25% para 1% para cada empresa.
Convém lembrar que, ao contrário dos tributos sobre as vendas, o IPMF só poderá incidir sobre o capital circulante aplicado nos bancos, e dele deve ser descontado o valor dos juros pagos aos saldos líquidos médios das empresas.
Na verdade, o IPMF tem menos a ver com o valor das vendas do que com a rotação do capital de giro. Como mesmo as empresas endividadas com os bancos têm de ter saldo médio, o problema atual das empresas devedoras está na altíssima taxa de juros paga, que é muito superior à taxa das aplicações financeiras.
Assim, o possível efeito do IPMF sobre a taxa de juros também é reduzido, sobretudo nas atuais circunstâncias de restrição do crédito e de juros elevadíssimos cobrados pelo sistema financeiro.
A influência só seria significativa se as operações de débito sofressem taxas de juros nominais e anuais baixas, o que significaria inflação zero e uma taxa de juros efetiva cobrada aos devedores de menos de 1% nominal ao mês.
No dia em que o Brasil chegar a essa perfeição (japonesa) é possível que um imposto como o IPMF seja não só dispensável como desnecessário.
Mesmo nessas condições ótimas, para diminuir a regressividade dos impostos sobre circulação de mercadorias seria conveniente estudar a aplicação de algum tipo de imposto sobre circulação financeira.
Os argumentos estruturais são simples:
1. A extensão da base fiscal para todos os agentes que utilizam o dinheiro, o crédito e as aplicações financeiras, e são crescentemente "informais", isto é, não têm operações de produção ou emprego registrados junto às autoridades competentes.
2. A circulação financeira é uma base de futuro, já que, além de sua contínua expansão, permite controles eletrônicos e deverá permitir, portanto, uma menor sonegação do que os atuais impostos.
Isso não significa caminhar na direção de um imposto único nem abandonar as bases clássicas da tributação. Estas não apenas não desaparecerão tão cedo como sua eficácia arrecadatória pode ser auxiliada por esse tipo de imposto, mais difícil de sonegar e mais fácil de cobrar.

Texto Anterior: BC vai permitir investimento em ações
Próximo Texto: Educação, a nº 1
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.