São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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UMA CARTA DE BISHOP A LOTA

ELIZABETH BISHOP

19 de dezembro de 1966.
Segunda-feira de manhã

Querida
Eu fui repreendida por todo mundo à minha volta por ter ido visitar você (ontem) e ficado muito tempo, e sinto muitíssimo se te cansei demais.
Joanna (a empregada do Rio está) desesperada, sem saber o que levar para você comer, então, hoje de tarde, acho que vou sair e tentar achar algumas coisas mais interessantes. Acho que está calor demais para algumas daquelas sugestões mais pesadas que ela faz. Oscar (Simon) acabou de ligar e disse que vai aparecer aqui para me dar um beijo!
Swanee está retirando montes de dinheiro para mim nesse exato momento -vai voltar com tudo às 2h-, e aí vou ligar para Adonis. Mas você não acha que seria melhor se tudo chegasse depois que nós duas já estivéssemos lá?
J(oana) só lembrou de me entregar o bilhete de Mary (Morse) sobre isso ontem -do contrário, eu teria enviado tudo no sábado, acho. A próxima data que M(ary) sugere é 1º de janeiro. Bom, mas eu vou falar com Adonis em breve.
Também devo ir à embaixada hoje para tratar daquele contrato.
Ainda não encontrei com Décio (de Souza, médico de Lota) -espero fazer isso hoje ou então amanhã às 3h-, mas eu NÃO CONSIGO entendê-lo ao telefone e nós parecemos ter objetivos conflitantes. Ele parece não entender o aborrecimento que é para você essa vida de hospital -quando você não está dormindo, quero dizer. Mas EU ENTENDO, e acho que alguma coisa devia ser feita quanto a isso.
O que mais fiz ontem foi escrever cartas -hoje de manhã já escrevi duas. Será que algum dia vou tirar o atraso? Me pergunto. Até comecei um pequeno poema chamado "Small Birds at an Airport" (Passarinhos em um Aeroporto). Veremos. Sinto uma falta terrível de você e espero que esteja se sentindo melhor. Todo o meu amor.

NOTA DO EDITOR AMERICANO
Esta é uma das poucas cartas de Elizabeth Bishop para Lota que escapou de ser deliberadamente queimada pelos oponentes (1) de EB. Escapou somente porque, quando a biblioteca de Lota estava sendo desmontada, depois de sua morte, a carta caiu de dentro de um livro. EB mandou a carta para um hospital do Rio, onde Lota recebia tratamento (2) com choques de insulina. Os amigos não identificados ("Sewanee" e "Adonis") aparentemente ajudaram EB a descontar cheques e trazer seus pertences do Rio para a Samambaia. Lota só deixaria o hospital em fevereiro de 1967.

NOTAS DA TRADUTORA
1. A família Macedo Soares e Mary Morse, que rasgaram e queimaram as cartas de Bishop para Lota
2. O tratamento era contra a depressão em que Lota se encontrava por ter perdido o cargo na administração do parque do Flamengo.

Tradução do original em inglês por MARILENE FELINTO. Esta carta faz parte do volume "Uma Arte", a ser lançado pela Companhia das Letras, que autorizou a publicação de uma tradução diversa da que editará no Brasil

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