São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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Ensino enfrenta crise na Mongólia

HILLARY RODHAM CLINTON

Neste ano, não acompanhei o começo do novo ano escolar de minha filha, pela primeira vez em sua vida. Enquanto Chelsea iniciava as aulas na 11ª série, eu estava na Quarta Conferência Mundial da Mulher, na China, e depois na Mongólia, visitando uma família nômade que cria gado em um dos climas mais frios do mundo.
Por mais que me esforçasse, sempre chorei depois que deixava Chelsea no colégio. Isso tem a ver com a maneira como o ano letivo, mais do que qualquer outra data do calendário, marca a passagem do tempo na vida de uma criança -e de seus pais.
Chelsea queria saber sobre a minha viagem. Tínhamos ido juntas ao sul da Ásia, no início deste ano, e ela ficou decepcionada por não poder vir comigo agora. Ela queria visitar especialmente à Mongólia.
Contei a ela sobre a família de criadores de gado que me recebeu em seu "ger" -uma moradia que lembra uma barraca feita de cobertores de lã presos a postes de madeira, que pode ser montada ou desmontada em uma hora. Dentro dela havia várias camas, armários, uma tina de leite de égua fermentado (que eu experimentei, sim) e um fogão aquecido com esterco.
A família tem seis filhos, que me saudaram vestindo as blusas coloridas e os chapéus que constituem a roupa tradicional da Mongólia. Todo ano, no outono e no inverno, os pais e as duas crianças menores migram para as pastagens do sul, levando os rebanhos da família.
Os filhos mais velhos vivem com seus avós, numa cidade vizinha, para estudar. Eles retornam ao "ger" em fevereiro e março para ajudar seus pais no auge da temporada de reprodução dos animais. Depois, voltam à escola, em abril e maio.
Embora eu só tenha passado duas horas no "ger" e não fale uma palavra em mongol, não pude deixar de notar o amor e a compreensão entre os membros da família.
Os rostos das crianças irradiavam beleza. Isso me dilacerou o coração, principalmente quando pensei na vida tão difícil das crianças mongóis.
Durante quase um século o país foi satélite da então URSS. Em 1990, a Mongólia se libertou do comunismo e tornou-se democrática, sem violência nem derramamento de sangue.
Hoje, o país tem mais de um partido político, um sistema judicial independente e leis que respeitam os direitos humanos e a propriedade privada. Suas portas estão abertas à livre empresa e aos investimentos estrangeiros.
Infelizmente, porém, o caminho à democracia não tem sido inteiramente tranquilo. O país vem enfrentando graves desafios econômicos -diversas escolas públicas começaram a cobrar mensalidades. Como muitas famílias não têm condições econômicas de matricular seus filhos, mais crianças estão abandonando a escola. O analfabetismo está aumentando.
Para piorar a situação, o presidente Ochirbat me contou que as escolas ainda utilizam os livros didáticos soviéticos, simplesmente porque não têm dinheiro para adquirir livros novos. Apesar de todo o sofrimento que os mongóis passaram para conquistar a democracia, seus filhos não podem ler sobre sua própria história na escola, nem mesmo sobre líderes como Genghis Khan, nome proibido durante o regime comunista.
Mas vi também o potencial da Mongólia quando visitei dirigentes eleitos e engajados com a democracia, estudantes da Universidade Nacional e médicas, professoras e advogadas lutando para fazer seu país progredir.
No Centro de Crianças de Rua, em Ulan Bator, capital da Mongólia, conheci crianças que, até pouco tempo, viviam em trens abandonados porque suas famílias não podiam sustentá-las. Conversei com o médico do centro, que trata doenças de pele contagiosas facilmente tratáveis nos Estados Unidos -mas não na Mongólia, onde os recursos médicos são escassos.
Nosso país gastou trilhões de dólares durante décadas para combater o comunismo soviético. Vencemos a Guerra Fria. Agora, temos outro desafio: fortalecer as democracias emergentes pelo mundo afora, especialmente nações como a Mongólia.
Sempre nos esquecemos das lutas que outros povos enfrentam para conquistar privilégios que nós vemos como líquidos e garantidos. Vou passar muito tempo pensando nas crianças que encontrei na Mongólia e o que o ensino significa para elas e para seu país.

Tradução de Clara Allain

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