São Paulo, domingo, 24 de setembro de 1995
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Cônsul violou regras para salvar vidas

CLAUDIO GARON
DA REPORTAGEM LOCAL

Chiune Sugihara, cônsul japonês em Kaunas (Lituânia), salvou a vida de pelo menos 6.000 judeus na Segunda Guerra Mundial.
Esse Schindler japonês (referência ao industrial alemão que salvou mais de mil judeus e virou personagem de Spielberg) está no livro "Passaporte para a Vida, escrito por sua viúva, Yukiko Sugihara, e recém-lançado no Brasil.
Chiune foi enviado para a Lituânia em março de 1939, onde assumiu o consulado em Kaunas. Em setembro do mesmo ano, tropas nazistas invadiram e ocuparam a parte ocidental da Polônia.
Milhares de judeus poloneses procuraram abrigo na parte oriental do país, ocupada pela União Soviética, e na Lituânia.
Tropas soviéticas ocuparam a Lituânia em junho de 1940 e permitiram a emigração dos judeus que apresentassem visto de entrada em outro país e de trânsito dos que teriam de atravessar.
Yukiko Sugihara conta no livro que o cônsul holandês em Kaunas, Nathan Goodwill, concordou em emitir vistos para Curaçao, possessão holandesa no Caribe.
Mas, para chegar ao Caribe, os refugiados deviam passar pelo Japão. Assim, na manhã de 27 junho de 1940, "havia uma multidão de pessoas em volta do prédio (do consulado), lembra Yukiko.
No início eram apenas 200, mas se estimava que chegariam logo a milhares. "As pessoas estavam com os olhos vermelhos, suplicantes. Ainda hoje não consigo me esquecer daqueles olhares.
O cônsul Chiune pediu instruções a Tóquio sobre os vistos de trânsito requeridos pelos judeus. A resposta veio curta: "Negado.
No livro, Yukiko lembra o diálogo com o marido quando ele resolveu desobedecer instruções superiores para salvar vidas.
"Yukiko, vou desobedecer ao Ministério das Relações Exteriores e fornecer os vistos. Tudo bem, não?
"Não sei o que será de nós, mas faça isso, respondeu Yukiko.
No início, Chiune pretendia emitir 300 vistos por dia e registrá-los nos livros consulares.
Quando já havia preenchido à mão cerca de 2.000 vistos, o cônsul parou de registrar os vistos e de cobrar a taxa oficial.
"Durante quase um mês, trabalhou de manhã até a noite sem almoçar, sem pausa para um descanso, lembra Yukiko. De 31 de julho a 28 de agosto, foram emitidos cerca de 6.000 vistos.
No final de agosto, o consulado foi fechado por ordem das autoridades soviéticas, que haviam anexado a Lituânia.
Mas Chiune continuou emitindo cartas de autorização no hotel em que ficou hospedado antes de seguir para seu novo posto e mesmo dentro do trem parado na estação.
Os portadores dos vistos emitidos por Chiune saíram de Kaunas de trem rumo a Moscou e depois, pela estrada de ferro Transiberiana, até o Pacífico e o Japão. A maioria salvou-se.
Demissão
A ação humanitária acabou custando a Chiune Sugihara sua carreira de diplomata. Ao voltar para o Japão depois da guerra, em 1947, foi sumariamente demitido.
Fluente em russo, foi para Moscou em 1950, onde conseguiu empregos em empresas de comércio exterior. Aposentou-se em 1975 e voltou para o Japão.
Sua ação a favor dos judeus foi reconhecida pelo governo de Israel, que o condecorou em 1985.
Em 31 de julho de 1986, Chiune Sugihara morreu, cinco anos antes de o Japão, por intermédio do vice-ministro das Relações Exteriores, Muneo Suzuki, reconhecer seu ato humanitário e pedir desculpas à família.

Título: Passaporte para a Vida
Autora: Yukiko Sugihara
Preço: R$ 25
Onde comprar: "Diário Nippak, tel. (011) 278-3977

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