São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 1995
Próximo Texto | Índice

García Marquez retorna ao jornalismo

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O escritor colombiano Gabriel García Marquez, 67, volta, em seu próximo livro, ao jornalismo, profissão na qual iniciou sua carreira.
Prêmio Nobel de literatura em 1982 por romances como "Cem Anos de Solidão" (1967) e "Crônica de uma Morte Anunciada" (1981), ele revisa um livro-reportagem sobre sequestros promovidos por Pablo Escobar e seu cartel de Medelín (leia texto abaixo).
Reunido em Madri com um grupo de 12 jornalistas de meios de comunicação da Espanha e da América Latina -a Folha entre eles-, García Marquez falou sobre seu novo trabalho.
"Quero demonstrar que a reportagem é um gênero literário, ainda que escravizado à realidade", disse. "Algum dia se dará conta que meus livros têm mais de jornalismo que de ficção. Não há uma linha neles que não tenha um ponto de partido na realidade."
O título não está definido. Pensado inicialmente como o relato do sequestro de uma jornalista em 1990, se chamaria "Notícia de um Sequestro". No calor das investigações, García Marquez viu-se diante de uma rede de sequestros promovidos por Pablo Escobar.
Nove histórias se cruzam no que agora o autor intitula provisoriamente de "Os Largos Dias do Sequestro". As mais de 700 páginas devem ser reduzidas a algo entre 380 e 450 até chegar à forma final.
Morte da reportagem
García Marquez se lança, com o livro, numa cruzada em favor da reportagem -para ele, a apuração detalhada e exaustiva da notícia.
"A tendência ao desaparecimento da reportagem é o pior que poderia acontecer, pois ela é a única frente possível de combate contra a TV e o rádio que o jornalismo escrito possui", afirma.
"A palavra está muito desprivilegiada. Falta a humanidade da notícia, falta explorar a alegria e a dor de seus protagonistas", diz.
Mas a fronteira entre os gêneros jornalístico e literário oferece dificuldades ao escritor: "Sofri muito fazendo esta reportagem, por ter que ser objetivo, por não poder colocar uma metáfora".
Diz que os três anos dedicados exclusivamente às investigações não deixam margem para "julgamentos ou juízos de valor". "Falta checar alguma coisa, mas rigorosamente tudo é verdade".
Hábitos
O escritor diz que costuma trabalhar em seus textos diariamente, "das oito da manhã às duas da tarde, sem levantar e sem respirar".
Sempre teve o costume de corrigir seus textos antes de dormir. "Quando adormeço continuo trabalhando no texto e sonho que encontrei a melhor solução do mundo. Aí acordo e vejo que é uma absoluta bobagem. Agora, passei a fazer tudo pela manhã", diz.
Contando que começou a escrever a lápis e depois em máquina de escrever -os originais de "Cem Anos de Solidão" foram revisados em cópias de papel carbono-, é defensor da informática.
"Com máquina de escrever era muito mais difícil, escrevia em média um livro a cada sete anos. Com o computador, a média caiu para três anos."
O computador dá tempo também para que ele escreva argumentos e roteiros para TV e, sobretudo, cinema. Com este, mantém longo namoro, ainda que afirme que seus livros não são adaptáveis às telas.
Responde evasivamente quanto à adaptação que o brasileiro Orlando Senna (seu amigo) prepara de seu "A Má Hora": "Este até que é cinematográfico".
Prepara atualmente o roteiro de "Édipo Alcaide", adaptação do clássico grego "Édipo Rei", de Sófocles, que será dirigido pelo colombiano Jorge Ali Triana, com Jorge Perugorria (de "Morango e Chocolate") no papel-título.
Planejando agora escrever suas memórias, Gabriel García Marquez não pára nunca. Revisa textos até mesmo no avião. Parece correr contra o tempo.
Não à toa, carrega, em viagens para fora da Colômbia, um relógio em cada pulso -um marcando o tempo de seu país e outro, o do local visitado. Parece querer apreender todas as horas.

Próximo Texto: Livro descreve sequestros
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.