São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 1995
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Patrícia Melo vai mais fundo na violência

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

Livro: O Matador
Autora: Patrícia Melo
Lançamento: 2 de outubro
Preço: não definido

Os primeiros capítulos do livro "O Matador", de Patrícia Melo, já estão traduzidos para o inglês para que possa ser vendido na Feira de Frankfurt. Na próxima semana, chega às livrarias este segundo livro da escritora, que em maio do ano passado estreou com as duas novelas de "Acqua Toffana".
Em seu primeiro livro, Patrícia, 32, já explorava a violência e o lado pior da alma humana. Neste segundo, não é diferente. "O Matador" conta a trajetória de um matador profissional, desses que pululam nas periferias das grandes cidades. O livro é fruto de uma pesquisa de reportagens de jornal e de entrevistas com matadores, que esperavam seu julgamento em São Bernardo do Campo.
Fobia da morte é um dos argumentos de Patrícia para explicar sua atração pela violência. "Eu tenho uma dificuldade tremenda em aceitar a idéia da morte. Acho que de uma certa maneira esse sempre foi meu veículo na literatura. A morte é uma roda da literatura, uma coisa que faz ela caminhar, assim como o amor. Quando você pesquisa um tema violento como esse, você está sempre face a face com a morte", diz.
Outro argumento está numa citação de Terêncio, que ela usa como epígrafe do livro: "Tudo o que é humano não me é alheio". "Eu não consigo não me tocar com essas coisas. Mesmo antes de eu pensar em escrever sobre o matador, qualquer coisa que saísse na imprensa sobre isso eu recortava. Isso me atrai porque me provoca repulsa. Mas nunca penso nisso com vontade de entender por que essas coisas chamam tanto minha atenção", diz.
Motivações mais profundas à parte, Patrícia Melo acredita que sua literatura se encaixa no gênero "roman noir" ou "romance negro", que não é exatamente um romance policial porque prescinde de um enigma. "Para a minha literatura não é importante o enigma, essa coisa de quem matou. O que eu tento trabalhar nesse tema de violência, tanto no primeiro como no segundo livro, é mostrar a natureza humana no seu momento mais torpe, mais subterrâneo, mais maldoso", diz.
Patrícia diz que escreve todos os dias e que para ela, como para Georges Simenon (autor belga de romances policiais e criador do personagem inspetor Maigret), a literatura é "uma vocação para a infelicidade".
"Vejo o Jô Soares falando que ele se diverte muito escrevendo. Isso é uma benção dos céus, porque a minha relação com a literatura é uma relação de puro sofrimento. É uma rotina muito solitária, de muita angústia. Você fica muito crítico", diz.
Para fazer este "O Matador", Patrícia diz que escreveu sete versões, que foram jogadas fora, das trinta primeiras páginas do livro. "Tinha uma dificuldade enorme, porque eu tinha um material de pesquisa muito rico e farto e achava que eu estava muito colada nela. Achava que não estava cumprindo a minha função de escritora, estava muito presa à realidade."
"Existe um conflito entre o escritor no momento da criação e o escritor no momento da pesquisa. Porque você permite que a realidade seja absurda, mas não permite que a ficção seja tão absurda, para que ela seja verossímil e aceitável", diz Patrícia.
"Quando fiz a pesquisa senti que todos eles tinham um percurso muito semelhante. São figuras que vieram do Norte, de um lugar onde o código moral é uma coisa muito bem definida e clara. Eles vêm para cá com a família e sofrem algum tipo de violência. Vingam-se contra uma pessoa que era forte na comunidade, ganham popularidade, fama, surgem propostas e entram numa espiral de loucura, dinheiro e poder até se estourarem, porque têm uma vida curta", conta.
Máiquel, o matador do livro de Patrícia, só tem de diferente dessa história o fato de não ter nenhuma motivação profunda para seu primeiro crime. Acontece. "Ele é uma pessoa insegura, frágil, não é uma pessoa má. É agente inconsciente de uma engrenagem. As coisas vão acontecendo na vida dele como numa tragédia grega, as coisas vão empurrando ele", diz, em defesa da personagem.
Foi só quando decidiu escrever o texto em primeira pessoa (o livro é o matador contando sua história) que Patrícia encontrou a dimensão de Máiquel. "Quando estava escrevendo em terceira pessoa, ficava muito mais próxima da caricatura do matador do que da figura humana. Quando passei para a primeira pessoa, pude sentir ele como uma pessoa de fato, com suas contradições, capaz de cometer violências incríveis, mas sensível, poética, enamorada, como qualquer outra pessoa."

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