São Paulo, sábado, 30 de setembro de 1995
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Algumas preocupações sobre as privatizações brasileiras

CYRO BORGES JR.; MAURÍCIO SERRA

CYRO BORGES JR. e MAURÍCIO SERRA
O governo federal, seguindo receituário internacional, estabelece como prioridade o enxugamento do Estado como solução de todos os males. A sua estratégia passa pela privatização de empresas e serviços públicos. Argumenta-se que o Estado é incompetente para administrar, sendo a iniciativa privada muito mais eficiente.
A passagem de patrimônio estatal para a iniciativa privada aumenta a eficiência das empresas transferidas, beneficiando toda a sociedade. Essa é uma argumentação no mínimo míope, pois considera a privatização como um fim em si, sem discutir suas consequências. Vejamos alguns pontos.
Dizem que essas empresas, agora em mãos particulares, vão tentar aumentar seus lucros produzindo mais e, por efeito de escala, vão reduzir seus preços. Ocorre o contrário com os monopólios privados. Sendo eficientes (e com certeza serão), deverão deixar o mercado com certa ansiedade de compra.
Como resultado, a quantidade necessária ao mercado é maior que a oferecida pelo monopolista. Um paralelo desse fato é uma redução na produção de insulina numa quantidade ligeiramente inferior ao consumo dos diabéticos.
Só não ocorre um caos porque o mercado mundial é bem abastecido e alguma escassez existente poderá ser suprida por uma rápida importação. Mas, para os produtos das empresas privatizadas, tais mecanismos de proteção do mercado inexistem.
Fala-se da criação de concorrência na quebra de monopólio estatal. Ocorre o contrário, na realidade. No mercado de bens essenciais para o parque industrial, tem-se um grau de elasticidade de demanda muito pequeno e pouco importa o número de produtores.
Pela lógica do mercado, haverá uma política de cartel para buscar eficiência empresarial. Um exemplo, num outro setor, foi o ocorrido na educação quando o Estado repassou tal responsabilidade para a iniciativa privada. As escolas particulares se articularam e impuseram um reajuste padrão de mensalidades. Essas práticas podem servir para uma série de setores privatizados e ainda por privatizar.
Diz-se também que os salários nas empresas privatizadas vão aumentar. Os ineficientes serão mandados embora, premiando-se aqueles que restarem. Esse é um desconhecimento de leis econômicas.
O Brasil tem um índice de desemprego da ordem de 10% da população economicamente ativa. Outra parcela da população já desistiu e ingressou na atividade informal, não sendo acompanhada pelas estatísticas. Essa reserva de trabalhadores permite que a empresa, além de demitir os ineficientes, passe também a demitir os eficientes, para contratá-los mais à frente por um salário menor, compatível com a oferta inelástica de mão-de-obra disponível.
Cria-se uma migração de funcionários entre empresas de um mesmo setor, que termina quando os salários chegam ao mínimo que o indivíduo admite receber antes de ingressar no mercado informal.
O governo FHC tem-se mostrado incapaz de colocar em prática medidas correntes de países adiantados que adotam economia liberal. Esses países, quando privatizaram suas empresas e serviços públicos, tiveram a preocupação de criar mecanismos de manutenção da sanidade do mercado e da proteção do cidadão.
Criaram uma legislação ampla e eficaz de combate às ações de monopólio e estabeleceram instituições de controle econômico. No Brasil, vê-se uma preocupante ausência desses mecanismos reguladores, apesar da urgência com que essa questão tem sido tratada.
Nossos problemas passam por uma discussão mais ampla sobre o papel do Estado e do modelo de desenvolvimento a ser seguido. O modelo neoliberal prega, numa maneira sintética, a ausência do Estado na economia e acredita que as forças de mercado são suficientes para indicar o caminho do desenvolvimento. Esse modelo foi responsável por recessões e desemprego na América Latina, como também pelo aumento dos bolsões de miséria nos países ricos.
Se a globalização da economia é um processo irreversível, convém que o Brasil tenha um Estado forte e capaz de enfrentar nossas necessidades e prioridades. O exemplo é o dos tigres asiáticos, que construíram seus próprios caminhos de acordo com suas necessidades, recusando modelos preestabelecidos. O desenvolvimento desses países foi fruto da presença de um Estado indutor forte.
Para o Brasil, a reforma mais urgente é a de construir um Estado capaz de ser socialmente responsável, sem que para isso caiamos no aumento da burocracia. Um Estado que busque fornecer emprego e assistência às camadas mais pobres, sendo, portanto, completamente diferente do Estado mínimo dos neoliberais. Um Estado que utilize a empresa estatal e a estatal privatizada como instrumento de reforma das condições sociais do país.

CYRO BORGES JR., 45, engenheiro civil, é professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e doutorando em engenharia de produção na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

MAURÍCIO SERRA, 30, engenheiro civil, é doutorando em desenvolvimento social pela London School of Economics (Inglaterra).

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