São Paulo, terça-feira, 2 de janeiro de 1996
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Leno lança trabalho inédito desde 1971

LP de ex-ídolo da Jovem Guarda foi censurado à época

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Ninguém ouviu, mas um dos primeiros discos de rock'n'roll brasileiro da década de 70 foi gravado por Leno, aquele mesmo que, em parceria com Lilian, cravou hits da Jovem Guarda como "Pobre Menina" nos anos 60.
Mais: seu principal parceiro no tal disco chamava-se Raulzito, que muita gente passou a ouvir daí em diante como Raul Seixas, mas que na época quase ninguém conhecia.
O disco chamava-se "Vida e Obra de Johnny McCartney". Completamente mutilado pela censura em 71 e rejeitado pela gravadora CBS (hoje Sony) por ser "anticomercial", ficou inédito até agora. Dado como perdido até 1994, é relançado depois de 24 anos por iniciativa do próprio Leno, que fundou um selo independente -Natal Records- para colocá-lo no mercado.
O ressurgimento vem acompanhado do outro lado da moeda: além de Leno e Raul, a Natal lança "Antologia 1966-1967", que reúne os dois primeiros discos de Leno e Lilian -a dupla, aliás, acaba de ser reformada e deve lançar novo trabalho neste ano.
Lançado após a ruptura da dupla, "Vida e Obra de Johnny McCartney" -título assumidamente inspirado nos Beatles- navega por mares bem mais furiosos.
"Entre 1969 e 70 estava acontecendo um monte de coisas no mundo, minha cabeça mudou totalmente. Com a ditadura brava, o AI-5, me deu vontade de fazer alguma coisa diferente", diz Leno.
Foi encharcado de influências desse período -Cream, festival de Woodstock, Stills, Nash and Young, Cream, Beatles e Kinks- que Leno e Raul Seixas conceberam sua "ópera-rock".
Construíram faixa a faixa a ascensão e queda de um ídolo do rock, pouco depois do lançamento de "Tommy", do Who ("sem nunca ter ouvido o disco", diz Leno) e um ano antes do "Ziggy Stardust" de David Bowie. No tempero, muita crítica social, como nas faixas censuradas "Pobre do Rei", "Não Há Lei em Grilo City" e "Sr. Imposto de Renda".
A ousadia não passou batida. Submetido à censura, o disco teve com cinco das 13 faixas vetadas. "O diretor da CBS quis ouvir e falou que eu estava maluco, que o disco não era comercial e a gravadora não tinha interesse", conta.
A MPB, predominantemente de esquerda à época e sofrendo as dores da censura, se calou. "Quando o disco foi censurado, não apareceu ninguém da MPB pra falar nada, não saiu uma linha na imprensa. Tive que pedir rescisão à gravadora, que não quis me apoiar."
Depois, Leno soube que as fitas de "Johnny McCartney" teriam sido sido apagadas. Foram redescobertas há um ano, perdidas no acervo da Sony -que manteve o desinteresse no lançamento. Leno precisou fundar um selo e bancar os custos para que o fragmento de história da MPB viesse à tona.

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