São Paulo, quarta-feira, 3 de janeiro de 1996
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A reforma do Estado

VITOR BUAIZ

Nesta virada de século, a reforma do Estado tornou-se uma prioridade básica da agenda política nacional. Gradativamente, as elites sociais, políticas e empresariais constituíram uma nova convicção, que acabou sendo incorporada nas agendas governamentais. É a convicção de que o modelo de governo burocrático e intervencionista está falido e de que, com esse modelo, não vamos a lugar nenhum.
Está nascendo, daí, uma nova forma de governar. Ela ainda convive com a velha forma, mas já está presente nos debates e nas ações governamentais. Trata-se de uma visão de governo que o enxerga não como interventor e mero prestador de serviços, mas, principalmente, como catalisador e articulador de iniciativas. Não é, necessariamente, o governo que faz, mas, sim, o governo que faz acontecer.
Aos poucos, essa nova visão substitui aquela que herdamos da geração pós-Primeira Guerra Mundial, diretamente influenciada pelo marxismo e pela social-democracia européia. No leste europeu, o marxismo produziu o centralismo burocrático. No restante da Europa, a social-democracia produziu o Welfare State. Em ambos os casos, tratava-se de construir um modelo centralizador, burocrático e intervencionista de governo. Esse modelo esgotou-se a partir de meados dos anos 70.
No Brasil, a versão latina do Welfare State produziu um dos maiores estados intervencionistas do planeta. No regime militar de 1964, esse grau de intervencionismo chegou ao seu ápice. Levou, até, o tradicional semanário "The Economist" a fazer uma reportagem sobre o Brasil, no início dos anos 80, afirmando que o Estado brasileiro era mais intervencionista do que os Estados burocráticos do leste europeu. Com o agravante de que a nossa herança cartorial da era Vargas trouxe consigo as práticas do clientelismo e do corporativismo.
Pois bem. É esta herança cartorial, matriz de costumes clientelistas e corporativistas, que vem dificultando a construção do novo, tanto no plano federal, quanto no plano estadual. Ela "privatizou" a ação do Estado, fazendo-o prisioneiro das corporações e cada vez mais distante dos interesses públicos como na definição da (res)pública -vale dizer, coisa pública...
No Espírito Santo, começamos um processo de reforma institucional que deverá durar no mínimo quatro anos e que visa modificar este "status quo". Sentimos, na carne, que este modelo vigente de governo está falido. Ele não permite a menor margem para aplicação dos recursos públicos em áreas prioritárias como as da saúde, da segurança e da educação.
Agindo com cautela, mas com um enorme senso de urgência, iniciamos o processo de reformas por dois pontos nevrálgicos: o crescimento vegetativo inercial de 3,3% da folha de pagamentos, causado pela concessão de benefícios e vantagens ao funcionalismo que se constituem em privilégios, e o total de pagamento aos inativos, que já atinge 32% do total da folha.
Assim, já enviamos à Assembléia projeto que estipula o congelamento dos benefícios e vantagens. Ao mesmo tempo, estamos iniciando ações no sentido de criar um Fundo de Pensão para assumir, já a partir do próximo ano, a responsabilidade pelo pagamento dos inativos, desonerando gradualmente a folha. Isso, entretanto, não basta. Fizemos mais. Extinguimos duas secretarias de Estado, promovemos a fusão de vários órgãos da administração indireta e estabelecemos um teto para a remuneração dos servidores ativos e inativos.
Mesmo assim, entendemos que estas medidas são necessárias, mas não suficientes. Por isso, estou determinando a formação de um grupo-tarefa para a reforma do Estado. Com a missão de propor, ao longo do meu governo, outras medidas destinadas a criar um arcabouço concreto para uma reforma institucional digna desse nome.
Queremos ir além de uma mera reforma administrativa. Queremos um programa de parcerias com a iniciativa privada para a gestão de projetos alternativos nas áreas de saúde, educação e segurança. Queremos uma proposta de descentralização e municipalização de serviços. Queremos a concessão de alguns serviços. E assim por diante.
Estou convicto de que o modelo de governo em vigor no país, seja no plano federal, seja nos planos estadual e municipal, já não atende mais às demandas sociais do nosso tempo. Assim, se os governantes não desejarem a perda gradativa da legitimidade dos seus mandatos populares, deverão fazer um esforço de modernização e reestruturação do Estado. Essa é uma tarefa imprescindível para quem desejar ser contemporâneo do seu tempo.
E a responsabilidade é conjunta, dos três Poderes constituídos e da sociedade organizada.

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