São Paulo, quinta-feira, 4 de janeiro de 1996
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A eternização do temporário

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Na semana passada, o presidente do BC (Banco Central) reiterou: "A política cambial fica exatamente onde está em 1996." As autoridades econômicas repetem também "ad nauseam" que a política de juros e crédito continuará na sua trajetória recente. Isso significa que o governo brasileiro continuará ignorando solenemente a torrente de críticas à sua política de juros altos e câmbio sobrevalorizado.
De um certo ponto de vista, esse conservadorismo pode parecer justificado. Afinal, por que mexer num time que, aparentemente, está ganhando? Com a atual política econômica, o governo conseguiu resultados nada desprezíveis em 1995. Reequilibrou o balanço de pagamentos e conseguiu até mesmo sobrefinanciar o déficit em conta corrente, voltando a acumular reservas a partir de julho. Mais importante: manteve a inflação em queda, preservando o seu trunfo político fundamental.
No seu primeiro ano, o governo Fernando Henrique Cardoso explicitou de forma clara a sua ordem de prioridades no campo econômico: inflação baixa acima de tudo e ainda que à custa de juros estratosféricos, câmbio fortemente sobrevalorizado, recessão e desemprego crescente.
Não há nada de surpreendente nisso. A lição óbvia da experiência econômica e política da América Latina nos anos 80 e 90 (vide Argentina, Bolívia, Peru e o próprio Brasil) é a imensa popularidade dos programas de estabilização em sociedades traumatizadas pela hiperinflação, nas quais as expectativas do eleitorado são de uma modéstia absolutamente franciscana.
Ademais, as reformas monetárias e cambiais têm uma dinâmica própria, que tende a criar inúmeras irreversibilidades. Embora mais flexível do que, por exemplo, o programa argentino, o Plano Real não foge a essa regra geral. Assim, a margem de manobra da política monetária e cambial é mais limitada do que às vezes se imagina.
Muitos críticos do governo têm insistido, com razão, na necessidade de corrigir o câmbio em termos reais. As desvalorizações nominais observadas em 1995 não modificaram o quadro de sobrevalorização produzido pela política seguida entre julho de 1994 e o início do ano passado. As exportações, os setores que concorrem com importações e o balanço de pagamentos em conta corrente continuam a se ressentir da apreciação persistente do real.
Infelizmente, é mais fácil permitir a valorização do câmbio do que fazer o caminho de volta. Numa economia bastante aberta do ponto de vista financeiro, como é a brasileira, a taxa de juros interna é função direta da desvalorização cambial esperada. Desse modo, uma política de correção gradativa do câmbio real tenderia a pressionar para cima as taxas de juros reais, já insuportavelmente altas.
Por outro lado, uma correção abrupta do câmbio, por meio de uma maxidesvalorização ou mesmo de uma mididesvalorização, colocaria em risco a estabilização monetária ainda incipiente.
Por essas e outras razões, os governos preferem continuar agarrados à âncora cambial, sustentada por juros altos e pela esperança de que não voltem a ocorrer turbulências financeiras internacionais. O que era para ser temporário vai se incorporando permanentemente à paisagem.
Enquanto há financiamento externo em quantidade apreciável ou enquanto a sociedade tolera as agruras da recessão e do desemprego, a tendência é postergar qualquer ajuste mais fundamental.
Não se pode, portanto, dizer que o quadro seja dos mais animadores. Se a economia se reativar de alguma maneira, o desequilíbrio externo voltará a aumentar, agravando a vulnerabilidade financeira externa do país.
Por outro lado, se a economia continuar em recessão ou crescendo pouco, ficará mais difícil resolver os problemas que dominaram a agenda econômica no segundo semestre de 1995: desemprego, fragilidade do sistema financeiro e déficit público.
É justamente no campo das finanças públicas que residiria, em tese, a possibilidade de romper o impasse. Um progresso perceptível em termos de ajustamento fiscal abriria caminho para livrar a política econômica da destrutiva combinação de juros altos e câmbio supervalorizado.
Mais fácil dizer do que colocar em prática. O governo brasileiro vem prometendo ajuste fiscal desde os tempos em que Fernando Henrique Cardoso era ministro da Fazenda. Em 1993-94, o ajuste fiscal -denominado pomposamente de "mudança do regime fiscal"- era anunciado como precondição da reforma monetária. Depois, passou à condição de fator indispensável à consolidação do programa em 1995. Agora, foi transferido para 1996 ou 1997.
Nesse terreno, o primeiro ano do governo foi, em grande medida, desperdiçado. O que se viu foi uma grande deterioração dos números fiscais, provocada em parte pela recessão e pela política de juros altos. E o governo terminou o ano dependendo da prorrogação de mecanismos originalmente anunciados como provisórios, tais como o chamado Fundo Social de Emergência e a volta do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira.

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