São Paulo, quinta-feira, 4 de janeiro de 1996
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Bailarina brasileira é revelação na França

Marcia Barcelos deve se apresentar no Brasil este ano

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um dos talentos que a nova dança francesa revelou nos últimos anos é a brasileira Marcia Barcellos, diretora do grupo Castafiore, que poderá se apresentar pela primeira vez no Brasil em 1996.
Há 18 anos morando na França, Marcia participou do movimento de renovação da dança francesa ao lado de nomes como Philippe Decouflé e Régine Chopinot. "É preciso ter muita autenticidade para fazer sucesso em Paris", diz Marcia, que brilha ao lado de artistas consagrados internacionalmente.
Marcia foi uma das primeiras atrações confirmadas para a Bienal Internacional da Dança de Lyon, que terá o Brasil como tema em 1996. Junto com o compositor francês Karl Biscuit, seu parceiro na direção do Castafiore, ela já está elaborando o espetáculo que estreará em setembro na Bienal, intitulado "Almanach Bruitax".
"Este espetáculo funciona como uma alegoria da espécie humana. Inspirado nos antigos almanaques, que traziam em cada página um provérbio, um fato, uma curiosidade, mostra uma profusão de personagens que se sucedem em cenas isoladas, sem relação uma com a outra", afirma Marcia, que está em São Paulo para um curto período de férias com a família.
Visual requintado, ritmo veloz, bom-humor, são algumas das características dos espetáculos do Castafiore, cuja articulação cênica remete às histórias em quadrinhos e aos desenhos animados.
"Sem lógica narrativa, nossas criações lidam com signos que se justapõem de forma descontínua. O objetivo é proporcionar uma visão sobre a complexidade do mundo atual. Hoje tudo evolui com enorme rapidez, gerando um bombardeio de informações que não dá tempo de digerir."
A relação entre som e gesto é outra marca do grupo. Para sincronizar coreografia e música, Marcia trabalha em sintonia com Karl Biscuit. "Na França dizem que somos uma águia de duas cabeças", di ela sobre o parceiro.
Trilha sonora
Para compor a trilha sonora de "Almanach Bruitax", Biscuit está pesquisando as ondas curtas de rádio. "Queremos captar sons de todo o mundo, que poderão ser uma música egípcia ou uma conversa num veleiro em alto mar. Juntando essa quantidade de emissões do rádio amador, também estaremos expressando a selva de informações contemporânea, onde é impossível obter uma síntese a partir de um ambiente caótico."
Gestos estilizados e comportamentos e situações banais pontuam o repertório do Castafiore, que explora a poesia do cotidiano.
Tais elementos estão presentes em "Topinambourg 150", última criação do Castafiore, que poderá ser apresentado em São Paulo no primeiro semestre de 1996. "Com certa inspiração medieval, este espetáculo mostra, em resumo, o homem em busca de um paraíso perdido."
Segundo os críticos franceses, os trabalhos do grupo têm certa afinidade com os filmes de Jacques Tati. Há ainda os que enxergam vibração e colorido brasileiros nas produções do Castafiore.
Na opinião de Marcia, é bobagem procurar nacionalismos de qualquer espécie. Vivendo na França sob a condição de residente, ela resiste à possibilidade de se naturalizar francesa. "Nas minhas veias ainda corre aquele sangue brasileiro, por isso acho que não consigo mudar de nacionalidade."
No entanto, ela se considera cidadã de uma cultura planetária. "A revolução da informática explodiu a noção de tempo, acabou com as fronteiras", afirma.
Técnica e rebeldia
Quando chegou à França, com 18 anos, Marcia Barcellos tinha uma formação técnica impecável. Depois de 10 anos estudando balé clássico com Halina Biernacka, uma das professoras mais respeitadas de São Paulo, ela podia competir com o nível europeu.
"Halina me ensinou noções fundamentais, como rigor e dedicação ao trabalho", diz. Não demorou muito, Marcia foi descoberta por Alwin Nikolais. Na época, o legendário coreógrafo norte-americano trabalhava no Centro Nacional de Dança Contemporânea de Angers, que ele havia fundado a convite do governo francês.
A segunda etapa do aprendizado de Marcia ocorreu durante os três anos que trabalhou com Nikolais, o mago da dança abstrata, cujas coreografias sem personagens fizeram do bailarino uma energia viva que integra um universo de formas, cores e sons.
"Nikolais despertou meu potencial criativo, me dando a dimensão do espetáculo total". Em 1981, já desligada do coreógrafo, Marcia fez coro à geração de bailarinos que despontava na França.
"Surgiu uma certa rebelião contra os coreógrafos", lembra. Seguindo a tendência da época, fundou com outras bailarinas o grupo Lolita, voltado para a criação coletiva.
Depois de uma temporada no Brasil, o Lolita se desfez no final de 1989. "Foi uma ruptura positiva. Todos os integrantes do grupo tinham evoluído e cada um queria trilhar caminhos próprios."
O encontro com o encenador e compositor Karl Biscuit marcou a nova fase de Marcia. Juntos, formaram em 1990 o Castafiore, cujo nome vem de uma cantora de ópera que é personagem da história em quadrinhos francesa "Tintin".

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