São Paulo, sábado, 6 de janeiro de 1996
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Igreja pode deixar obra social

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A Igreja Universal do Reino de Deus pode abandonar o posto de saúde do Grajaú, em São Paulo, idealizado como o primeiro de um ambicioso projeto na área social. Inaugurado em junho, o posto teve papel fundamental no marketing social da igreja.
Cinco meses depois da abertura, começaram os problemas. Os 20 funcionários só receberam o salário de novembro em 26 de dezembro -um atraso de 21 dias. Até ontem, o décimo-terceiro salário não havia sido pago.
A responsabilidade pelo pagamento era da ABC (Associação Beneficente Cristã), entidade criada pela igreja para atuar na área social.
Em razão dos atrasos, parte dos funcionários deve deixar o posto, que atende aproximadamente 80 pessoas por dia nas áreas médica e odontológica.
A auxiliar de consultório odontológico Telma Maria Soares, 38, já saiu do posto. Deve ser seguida pelo dentista Eduardo Luís Indig, 32, que só não saiu para tentar garantir o pagamento de seus direitos trabalhistas.
Glória Maria Queiroz dos Anjos, 46, auxiliar de enfermagem também pretende se demitir se persistirem os problemas salariais. As reclamações dos funcionários contra os atrasos levaram o presidente da ABC, pastor Mário Luiz de Souza, a ameaçar suspender a ajuda que a entidade dá ao posto de saúde.
"Se ficar com esse problema a coisa vai ficar difícil", diz. E acrescenta que o repasse de recursos só vai continuar "se correr tudo certinho, se eles aceitarem tudo, sem haver críticas".
O problema é que, mesmo com os atrasos e ameaças, o posto funciona como um instrumento de propaganda da igreja e da ABC. Instalado em um prédio da entidade comunitária Ascaz (Associação dos Sem-Casa da Zona Sul), ele tem na fachada uma placa com as inscrições: "Iniciativa Associação Beneficente Cristã" e "Igreja Universal do Reino de Deus".
O próprio nome do posto, "Atendimento Comunitário Mão Amiga", faz referência à Universal. "Mão Amiga" é a revista que divulga as atividades da ABC.
A identificação da Ascaz é a única referência a uma entidade não ligada à Universal que aparece na placa.
A inauguração do posto do Grajaú contou com cobertura da TV Record, da "Folha Universal" e da revista "Mão Amiga".
O objetivo era dar atendimento médico e odontológico para a população local e trabalhar na área de planejamento familiar -uma das prioridades do fundador da Universal, o bispo Edir Macedo.
Macedo vê na oposição da Igreja Católica ao uso de anticoncepcionais um dos principais problemas do Terceiro Mundo.
Depois da inauguração, o pastor Ronaldo Didini, que dirigia a ABC, afirmou que logo seriam abertos outros postos em locais da periferia da cidade.
O projeto da igreja era ocupar os espaços deixados pela ação ineficiente do Estado na área de saúde. Projeto que, obviamente, incluía a atração de mais fiéis, ainda que essa intenção não fosse explicitada. O atual presidente da ABC, Mário Luiz, diz que a entidade não tem mais a obrigação de pagar os salários e o décimo-terceiro.
Segundo ele, o acordo feito com a Ascaz previa a manutenção do posto somente por seis meses -período que teria acabado em novembro.
Mas, mesmo esgotado o prazo, a placa em frente ao posto continua trazendo todas as inscrições relacionadas à Universal.

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