São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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Argumento vencido

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O principal argumento do governo em favor de sua atuação na área social é o fim do imposto inflacionário. A redução da inflação deixou de punir os assalariados de baixa renda, que, sem acesso a fundões e outros mecanismos de correção, viam suas parcas rendas desaparecer pela metade ao longo do mês.
O recente boom do comércio popular é apenas mais uma evidência de que, como não poderia deixar de ser, inflação menor significa mais valor no bolso.
Os ganhos que o real tem proporcionado ao país, com todos os problemas colaterais, são evidentes por si mesmos. Os índices de popularidade do presidente, apontados pela última pesquisa do Datafolha, são eloquentes. Confirmam que, aqui nos tristes trópicos, quem vence a inflação vence tudo -basta ver os vizinhos Menem, com a quarta inflação mais baixa do mundo, e Fujimori, que deu golpe, fez e aconteceu, e continua nos braços da preferência popular.
Acontece que os efeitos de uma queda espetacular das taxas de inflação -de 40% para 2% ao mês- não se repetem mais.
Os ganhos significativos com a redução já aconteceram. A anomalia foi, ao menos em grande medida, superada. Daqui para frente, obtidos os requisitos para a permanência do plano e mantida a tendência de declínio, o ritmo e os resultados serão menores.
Com isso, o argumento utilizado pelo governo está virtualmente vencido. Não se poderá chegar ao fim de 96 e dizer que a principal política social do governo foi reduzir a inflação.
O viés economicista do primeiro ano certamente permanecerá -afinal, o real ainda não se consolidou e a luta contra a inflação, mesmo em países mais estáveis, é permanente.
Mas, será lícito esperad do presidente que deixe de minimizar os problemas à luz de seus êxitos na política econômica. E passe a responder às situações de calamidade que o país real vive.
O país da violência, do crime organizado, das favelas, da terra e da renda concentradas, da péssima educação, das crianças nas ruas, das crianças assassinadas, das crianças criminosas, de líderes comunitários exilados, da saúde em pandarecos.
O país, também, que, ao lado do pior do Terceiro Mundo, passará, cada vez mais, a viver o pior do Primeiro, a começar pelo desemprego.
Esse país não se resolve com redução da inflação e não pode ser oculto sob índices de aumento de vendas de produtos populares.
Ele exige políticas específicas, com perspectivas de longo prazo. O que faz um país de Primeiro Mundo -como gostam de repetir deslumbrados dos Jardins- não é BMW na rua e moedinha para comprar jornal -é educação, saúde, direitos, deveres e vida decente e honesta para seus habitantes.
No labirinto de luz do ano novo em Salvador vi, na TV, Arnaldo Jabor -de paletó, no frio novaiorquino -comparar notícias de jornais brasileiros e norte-americanos do primeiro dia do ano.
Referia-se especificamente aos fatos relacionados ao crime e à violência. Mostrava que, enquanto por aqui, chacinas e matanças são banalidades do cotidiano, em Nova York, uma reformulação na política de segurança alcançou resultados notáveis na redução da criminalidade.
Imaginação foi a palavra usada no comentário. Aliada à vontade pode fazer pequenos milagres.

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