São Paulo, domingo, 7 de janeiro de 1996
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O povo quer reforma agrária

LUÍS CARLOS GUEDES PINTO

A distribuição da propriedade da terra no Brasil é das mais concentradas do mundo
Todos os países que se desenvolveram, ou que conseguiram proporcionar à maioria da sua população um padrão de vida digno, em algum momento de sua história democratizaram o acesso à posse e uso da terra.
Não há exceções. Isso ocorreu na Europa, nos séculos 18 e 19; nos Estados Unidos, quando da ocupação do território; no Japão, Coréia, Formosa e Itália, após a Segunda Guerra Mundial; nos países que socializaram sua economia em diferentes momentos deste século. Segundo J. K. Galbraith, "o desenvolvimento exige a desestabilização da oligarquia agrária".
No Brasil, a distribuição da propriedade da terra é das mais concentradas do mundo. Não há país que tenha se desenvolvido com um perfil de distribuição similar ao nosso.
Entretanto, costuma-se argumentar, em vários meios, que a questão agrária é uma página superada de nossa história, um tema anacrônico. Essa posição fundamenta-se na análise de alguns indicadores numéricos sobre a produção e exportação de bens agrícolas, a redução da população rural e outros correlatos.
Esquece, todavia, que a terra continua extremamente concentrada; que há dezenas de milhões de hectares de terras ociosos nas áreas já ocupadas; que o meio rural ainda retém quase 40 milhões de brasileiros; e que aí se encontra, em termos relativos, a maior concentração dos miseráveis do país, sob todos os pontos de vista.
A pobreza e a miséria no Brasil estão umbilicalmente ligadas à estrutura agrária. Há inúmeros estudos que comprovam esse fato. Eric Hobsbawin, em seu último livro, "A Era dos Extremos", associa "a espetacular desigualdade da distribuição da renda no Brasil à ausência de reforma agrária..." ... "o que inevitavelmente restringe o mercado interno para a indústria".
Roberto Campos diz claramente, em seu livro de memórias "Lanterna na Popa", que o Brasil seria outro se tivesse realizado a reforma agrária, a exemplo de Japão, Coréia e Formosa.
Consciente da atualidade e da necessidade da reforma agrária para o Brasil, e tendo em vista a presença constante do tema nos principais meios de comunicação do país nos últimos meses, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) decidiu fazer uma pesquisa junto à opinião pública de Campinas, cidade com quase um milhão de habitantes, para verificar como a população está reagindo a esse debate.
Cuidadosa e criteriosamente realizada, com todo o suporte estatístico e metodológico necessário, a pesquisa ouviu pessoas de 60 bairros, 90 profissões diferentes, diversas faixas etárias (de 16 a mais de 65 anos), diversas faixas de renda (de um a mais de 20 salários mínimos) e diversos níveis de escolaridade (do primário ao superior). a Margem de erro para a amostragem coletada é de 3%.
Os números (ver quadro) mostram claramente o apoio da imensa maioria da população urbana a um programa de reforma agrária. A coerência e consistência das repostas revelam um elevado grau de conhecimento e de consciência da questão por parte dos entrevistados.
Além do apoio a um programa de reforma agrária (90,6%), a população reconhece que ela pode melhorar a vida nas cidades (85,5%). Percebe que o atual governo FHC não está fazendo reforma agrária (68,3%) e não acredita que cumprirá suas promessas de campanha.
Cabe destacar, ainda, a concordância com a utilização das terras improdutivas para reforma agrária (90,0%), o expressivo apoio às ocupações dos trabalhadores rurais sem-terra (51,5%), bem como o reconhecimento de que essas são eficazes para pressionar o governo a fazer reforma agrária (69,2%).
A análise detalhada dos resultados, por meio dos inúmeros cruzamentos possíveis, apresenta revelações extremamente interessantes. Entre elas destacamos o fato de que o grau de incerteza dos entrevistados acerca da necessidade da reforma agrária (medido por meio da frequência da resposta "não sabe"), apresenta-se com maior intensidade nos seguintes casos: a) entre os mais jovens e acima de 65 anos; b) entre as mulheres; c) entre a população situada na faixa salarial mais baixa; d) entre os que estudaram até a 4ª série do 1º grau.
Nas demais faixas, que constituem a grande maioria, aumenta não apenas o grau de certeza nas respostas, como também o índice de aprovação quanto à necessidade de uma reforma agrária.
Cabe ainda uma observação sobre o comportamento dos entrevistados. Não obstante tratar-se de um tema polêmico, ficou claro na aplicação dos questionários que essa questão não é mais um tabu, não havendo nenhum registro de atitudes preconceituosas. Pelo contrário, as pessoas pareceram bastante familiarizadas com o assunto, e não houve nenhuma negativa de resposta.
Concluindo, podemos afirmar com base nos resultados da pesquisa realizada em Campinas, e que provavelmente refletem o sentimento dos demais centros urbanos do país, que o povo está consciente e quer reforma agrária.
Quem sabe esse seja um estímulo ao governo federal para atender, não aos interesses fisiológicos de seus aliados políticos, mas a uma demanda inequívoca e indispensável para o desenvolvimento do país, e que conta com forte e decidido apoio do povo.

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