São Paulo, segunda-feira, 8 de janeiro de 1996
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Unicamp tenta superar seu 'annus terribilis' no domingo

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Unicamp tenta, no próximo domingo, pôr um ponto final ao que poderia ser chamado de "annus terribilis" da universidade.
Em 1995, morreram sete bebês por infecção hospitalar no Caism (Centro de Atendimento Integral à Saúde da Mulher); o governo fixou um teto orçamentário para a universidade; um vendaval levou o telhado do ginásio de esportes (só a limpeza está orçada em R$ 200 mil); um professor titular de psiquiatria foi demitido porque teria feito experiências com pacientes; e, para coroar o ano, a suspeita de fraude no vestibular levou ao cancelamento da primeira fase, com um prejuízo de mais de R$ 300 mil, além de gerar insatisfação entre os 33 mil candidatos.
O reitor da Unicamp, José Martins Filho, 52, considera que tudo isso não chegou a afetar a imagem da instituição. Mas admite que a universidade "ficou um pouco mais humanizada".
"Podem nos ocorrer os problemas que ocorrem em todas as instituições do mundo. Agora, o que nós fizemos foi abrir o jogo. Na Unicamp, as coisas não acabam mais em pizza."
Nesta entrevista à Folha, o presidente dos dois conselhos mais importantes de reitores do país (o Crub e o Cruesp) avalia a repercussão dos acontecimentos de 1995 sobre a universidade e comenta a nova primeira fase do vestibular.
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Folha - A série de problemas que a Unicamp enfrentou em 1995 chegou a afetar a imagem da universidade?
José Martins Filho - Não, porque a Unicamp mostrou capacidade de resolução desses problemas tomando medidas certas na hora certa. No caso do surto de infecção, tivemos a coragem de chamar a imprensa e dizer claramente o que estava acontecendo e o que faríamos em seguida. O tornado não nos deixa outra alternativa senão reconstruir o ginásio. Quanto ao vestibular, a simples suspeita de fraude (que aliás não se confirmou) foi bastante para anularmos a primeira fase e refazermos tudo a partir do zero, porque uma instituição como a Unicamp não pode conviver nem um dia sob qualquer tipo de suspeição.
Folha - Mas, diante de tantos problemas, a própria universidade não teve de se repensar?
Martins - Eu diria que ela ficou um pouco mais humanizada, no sentido de que não somos nenhuma maravilha espetacular, bafejada pela sorte, a ilha da fantasia do Brasil. Podem nos ocorrer os problemas que ocorrem em todas as instituições do mundo. Agora -isso sim eu acho importante- o que nós fizemos na universidade, não só eu como toda a equipe, foi abrir o jogo. A hora que apareceu a infecção no Caism, nós fomos atrás da imprensa. Isso não é comum no nosso país. Problemas como esse ocorrem aos montes no país, mas a gente teve coragem de mostrar, fomos atrás, achamos as causas, impedimos o progresso, fomos transparentes. Uma coisa ninguém pode criticar a Unicamp: as coisas não acabam mais em pizza. Tudo aquilo de ruim que aconteceu foi avaliado, discutido e nós tomamos posição. Quantas universidades desse país têm demitido professores titulares? Nós demitimos. Quantas universidades têm demitido três pessoas por causa de negligência no vestibular? Acho que foi um repensar da universidade. Isso, sim, foi uma mudança.
Folha - A Unicamp divulgou que não houve fraude na primeira fase, mas mesmo assim essas três pessoas foram demitidas. O que ocorreu exatamente?
Martins - A comissão de sindicância que nomeei para apurar o caso concluiu que não houve fraude, mas considerou negligência o fato de um texto que apareceu numa apostila de curso preparatório (cursinho) migrar, ainda que parcialmente, para a prova de redação. Além disso, a comissão considerou incompatível o fato de pessoas que dão aulas em cursos preparatórios atuarem simultaneamente na comissão do vestibular, como era o caso. Daí as demissões.
Folha - Diante desses dados, o sr. avalia que o adiamento de todo o vestibular foi a melhor opção?
Martins - Não tenho a menor dúvida. Toda a sociedade pediu isso. Se eu não o fizesse, teríamos de conviver um mês sob clima de suspeição. Os vestibulandos não merecem isso, nem suas famílias, nem a Unicamp. Ao recomeçar tudo do zero, restabelecemos o princípio da equidade.
Folha - O que os alunos podem esperar da nova primeira fase do vestibular?
Martins - Podem esperar o que a Unicamp sempre apresentou nesses 10 anos de vestibular próprio: uma prova inteligente, que contempla os candidatos com conhecimentos dos conteúdos do 2º grau e com capacidade de articulação de idéias.
Folha - Qual a possibilidade de o resultado das provas que o Ministério da Educação vai aplicar no 2º grau vir a ser usado pela Unicamp na seleção de alunos?
Martins - Essa é uma experiência ainda muito incipiente e embrionária. A idéia de que a universidade deve refletir um pouco a realidade do ensino de 2º grau é velha na Unicamp. Não é por acaso que o ministro da Educação (Paulo Renato Souza) teve essa idéia depois de ser reitor da Unicamp. O vestibular da Unicamp tem esse projeto: ir se modificando, tentando influenciar indiretamente o ensino de 2 º grau, que é ruim em nosso país. Mas, neste momento, ainda não é possível usar esse exame nacional para a seleção de alunos.
Folha - Com o teto orçamentário para as universidades estaduais, a destruição do telhado do ginásio e a necessidade de realizar uma nova prova de vestibular, a Unicamp não está com problemas econômicos?
Martins - Não posso dizer que a situação esteja uma maravilha. O teto orçamentário atinge três instituições (a USP, a Unesp e a Unicamp) que vêm funcionando bem há anos e que já vinham promovendo seu próprio processo de enxugamento. Paralelamente, seus indicadores de qualidade vêm crescendo. Então, o teto, no caso das universidades públicas paulistas, é um contra-senso. Espero sinceramente que o governador Covas se sensibilize com isso e a Assembléia Legislativa restaure a forma anterior da Lei de Diretrizes Orçamentárias nesse caso específico. Estamos lutando para isso.

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