São Paulo, segunda-feira, 8 de janeiro de 1996
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A reciclagem nas entidades de classe

JÚLIO SERSON

A perpetuação de lideranças na direção de entidades de classe e de categorias profissionais constitui um dos piores vícios da administração. E não venham dizer aqueles que se elegem sucessivamente que seus mandatos são legitimados pelo voto.
Sabemos muito bem que, depois de algum tempo no comando de uma entidade, os dirigentes usam de todos os seus poderes para permanecerem mandando. Ampliam os quadros internos, reforçam a estrutura administrativa, mudam estatutos, cooptam as bases com todo tipo de oferenda e agrado e acabam esquentando o assento principal por quatro, cinco, seis ou mais mandatos sucessivos.
Em um mundo que avança aceleradamente no ramo da eficiência, da qualidade, da racionalização de métodos, da tecnologia e da modernização, não há porque se admitir a permanência de estruturas obsoletas nas entidades. E estrutura obsoleta tem muito a ver com o caciquismo nos comandos.
As modernas técnicas de administração são unânimes em aconselhar a reciclagem de posições nos cargos. São comuns os casos de feudos, currais e grupinhos que se encastelam nas estruturas, gerando acomodação, ócio e perda de motivação. Entre as doenças conhecidas que surgem a partir da feudalização institucional, estão a abulia administrativa e o catatonismo grupal. A inércia é seu vírus. O rodízio nos cargos, por seu lado, permite oxigenar o ambiente organizacional, aumentar a criatividade e a produtividade e melhorar os níveis de eficiência.
Dizer que as bases querem reeleições contínuas é sofismar. Pois os dirigentes costumam laçar os corpos associados com uma cultura de favorecimentos. Os contingentes sentem-se gratificados, moldam-se ao espírito de corpo da casa e acabam votando na direção apontada pelos comandos. Há, portanto, um sistema de recompensas recíprocas.
Isso não deixa de ser um processo de corrupção. A eternização dos líderes pode gerar imenso desgaste, a ponto de ameaçar a própria estabilidade interna. Não são raros os casos onde os grupos insatisfeitos partem para a formação de novas entidades. Este procedimento só prejudica a própria categoria. Por outro lado, podemos comparar a permanência de dirigentes nos cargos por tempo ilimitado com o que de mais pérfido existe nos regimes autoritários.
A verdade, naqueles sistemas fechados, é a voz dos governantes. Eles assumem o papel de entidades divinas, insuperáveis e majestáticas. Todos os cidadãos devem lhes prestar obediência e cultuar sua figura. Tem muita semelhança com os caciques que manobram as entidades de classe.
Não há também fundamento para se distinguir a entidade pública da entidade privada. Os conceitos são iguais. Basta verificarmos os casos de empresas privadas que entraram em obsolescência e em processo de degradação porque não souberam profissionalizar seus quadros. O Brasil começa a ingressar num ciclo de estabilidade econômica. Para interpretar esse novo ambiente, vivenciar e administrar as oportunidades que se apresentarão, são necessários quadros e dirigentes integrados ao espírito de um tempo que tem por parâmetro central a maximização de resultados pelo menor custo.
Gente qualificada há em toda parte. São pessoas que querem uma oportunidade para demonstrar suas aptidões administrativas e operacionais. Mas seu sucesso vai depender do desmonte dos paquidermes construídos por cabeças jurássicas. Os ajustes que se operam em todos os níveis da vida econômica e política certamente haverão de contemplar a administração das entidades de classe. É nossa esperança regada com muito otimismo.

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