São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996
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Abertura econômica e estabilização

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

A abertura da economia brasileira representa a grande transformação estrutural dos últimos anos.
Iniciada em 1990, a eliminação das restrições à importação e a redução das alíquotas de importação significaram um enorme desafio para a indústria brasileira, em contraposição ao "modelo de substituição de importações" vigente até o final dos anos 80.
No entanto, se benéfica na intenção, a estratégia atual de estabilização tem colocado em xeque os avanços obtidos e a abertura precisa ser revista.
O processo de abertura econômica trouxe avanços inegáveis no tocante à modernização da indústria brasileira, ao avanço tecnológico, à melhora da qualidade dos produtos, à queda real de preços, tudo isso beneficiando amplamente o consumidor.
Do ponto de vista macro, a renegociação da dívida externa, a flexibilização da reserva de mercado para a informática e a aprovação da lei de defesa do consumidor, eventos ocorridos em 1992, representaram importantes avanços nas relações comerciais internas e na reinserção da economia brasileira na internacional.
A alíquota de importação média caiu gradativamente e com base em um cronograma preestabelecido, em muitos casos negociado com os produtores locais. Ela reduziu-se de cerca de 40%, em 1990, para algo em torno de 14%, patamar alcançado no ano passado e atualmente em vigor. As empresas foram empurradas à obtenção de ganhos substanciais de produtividade, que, em sua maioria, foram repassados aos consumidores.
No entanto, após a introdução do Plano Real e da estratégia de estabilização baseada na âncora cambial, tem havido uma intensificação da abertura da economia, fornecendo uma espécie de "subsídio" aos produtos estrangeiros sem que haja salvaguardas à concorrência desleal dos importados, sacrificando os produtores locais e com forte impacto no emprego.
Desde julho de 1994, na introdução do real, não houve correção da taxa de câmbio em relação ao nível anteriormente vigente, enquanto os custos internos cresceram significativamente. Os salários, por exemplo, cresceram cerca de 35% a 40% em média, agravando a competitividade da indústria.
É certo que parte desse diferencial pôde ser compensado pelos ganhos de produtividade, mas seria inviável exigir-se um ganho de tal monta no curto prazo.
Não há processo de abertura e experiência de estabilização sem custos, mas é importante que haja sintonia fina no "timing" e na dosagem das medidas, no âmbito da política industrial e da política de estabilização, para que não se gere, desnecessariamente, mais estragos do que benefícios.
A combinação da redução das alíquotas de importação com a valorização da moeda local e a ineficácia e/ou inexistência dos mecanismos de proteção ao "dumping" e às práticas desleais de comércio internacional tem significado um pesado ônus para o país, com a substituição da produção local por importações mesmo em setores com capacidade competitiva.
Um dado que é chocante e que revela a magnitude do problema é a situação da balança comercial. Na entrada do Plano Real, o país apresentava um superávit comercial de US$ 14 bilhões, no acumulado de 12 meses. Hoje, decorrido menos de um ano e meio de âncora cambial, temos um déficit de US$ 3 bilhões, também no acumulado de 12 meses.
Ocorre que o extraordinário aumento das importações não foi acompanhado de uma expansão das exportações, que em valor devem crescer apenas 7% neste ano. Em volume físico, a situação é ainda mais grave: em "quantum", as exportações brasileiras deverão manter-se estagnadas, comparativamente ao ano anterior.
Adicionalmente, destaque-se que não houve uma adaptação macroeconômica da economia brasileira que propiciasse ao produtor local um ambiente equivalente ao dos concorrentes internacionais.
Os "fatores de competitividade sistêmica", no linguajar dos economistas, ou o "custo Brasil", na definição empresarial, continuam prejudicando a produção local. Fatores como juros, estrutura tributária, infra-estrutura e burocracia, entre outros, estão aquém do que se exigiria para propiciar a base da competitividade do produtor local. E nesse caso não há esforço, do ponto de vista microeconômico, que compense essa disparidade.
A estratégia de abertura da economia precisa ser revista, tendo em vista os objetivos da política industrial e de desenvolvimento e considerando as nossas limitações e potencialidades. É preciso definir uma estratégia de inserção internacional que não implique riscos de desequilíbrio no balanço de pagamentos e quebra de setores potencialmente competitivos com a política de estabilização em vigor.
O aumento das importações tem de ser direcionado à competitividade, mas em condições justas. Da mesma forma, o processo precisa ser combinado com uma política agressiva de aumento das exportações, aproveitando o potencial competitivo em muitos setores, dados nosso enorme mercado interno e vantagens comparativas.
Em suma, é preciso que os resultados de curto prazo, como a bem-vinda queda da inflação, não signifiquem o sacrifício do longo prazo e, em última instância, o risco de desindustrialização e crise cambial.

Hoje, excepcionalmente deixamos de publicar o artigo de LUÍS PAULO ROSENBERG.

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