São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1996
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A morte das últimas ilusões

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Quando François Mitterrand ganhou as eleições francesas de 1981, uma parte da esquerda viu na sua vitória um sinal da "crise final do capitalismo", tantas vezes cantada e até hoje não ocorrida.
Afinal, a França podia ter perdido, fazia tempo, boa parte do seu "grandeur" do passado, mas ainda disputava com os Estados Unidos o título de maior usina de idéias do planeta.
E os EUA, naquela época, não haviam conseguido cicatrizar as feridas profundas legadas pela derrota no Vietnã, seis anos antes. Pareciam um império em decadência.
Por isso, quando o punho e a rosa vermelha, o símbolo da social-democracia, chegou ao poder na França, muita gente, mundo afora, pôde sonhar com um galope inexorável de idéias mais ou menos socialistas rumo ao poder em todo canto do planeta. A Alemanha ainda era social-democrata, os países nórdicos idem, a Espanha viria a sê-lo no ano seguinte.
Vistas as coisas da perspectiva do tempo, percebe-se que a vitória de 1981 foi apenas o início do fim das últimas ilusões. Será difícil dizer-se, hoje, o que Mitterrand, ao final de seus 14 anos no Eliseu, fez de diferente de, por exemplo, Margaret Thatcher, a primeira-ministra britânica que chegara ao poder dois anos antes, para se tornar símbolo do liberalismo.
Na prática, a diferença pode ser realmente muito pequena, mas no território dos símbolos, Mitterrand foi, talvez, um dos últimos líderes que de fato merecem o título de estadista.
Exemplo: em 1992, saiu direto de uma reunião de cúpula do G-7, o clube dos sete países mais ricos do mundo, para uma visita à então sitiada capital bósnia de Sarajevo. Não resolveu nada, mas, se seu gesto simbólico e corajoso tivesse sido imitado, com decisões concretas, pelos outros grandes do mundo, a carnificina na Bósnia poderia ter sido menor.
Mitterrand era um dos raros homens públicos dos tempos modernos capazes de pensar politicamente, certo ou errado. A grande maioria dos demais é formada por burocratas ou tecnocratas, cinzentos, chatos até quando acertam.

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