São Paulo, quarta-feira, 10 de janeiro de 1996
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Uma era financeira

DEMIAN FIOCCA

A concentração de lucros nas atividades financeiras pode não ser apenas uma eventualidade das ditas reformas de mercado, mas, sim, uma das características fundamentais da onda neoliberal.
Em artigo publicado em "Pós-Neoliberalismo - As Políticas Sociais e o Estado Democrático" (Ed. Paz e Terra) e republicado pelo Instituto Liberal, Perry Anderson avalia que a voga neoliberal, iniciada com a eleição de Thatcher em 1979, obteve sucesso em seu objetivo de concentrar renda e aliviar as sociedades ocidentais do suposto estrangulamento pelo excesso de direitos sociais, impostos e regulamentações, além de salários demasiadamente altos.
Depois de cair 4,2% nos anos 70, a taxa de lucro média nos países da OCDE aumentou 4,7% na década de 80.
Tais políticas também lograram controlar a inflação, que desde 1973 mostrava-se crescente nos países desenvolvidos. A inflação média da OCDE caiu de 8,8% para 5,5% entre os anos 70 e 80.
Mas o autor, que foi consultor do Banco Mundial, constatou que na Europa o neoliberalismo falhou em um aspecto que poderia conferir-lhe uma legitimidade de longo prazo. O enfraquecimento dos sindicatos, a concentração de renda e o aumento dos lucros não proporcionaram uma nova fase de crescimento pujante e recuperação do nível de emprego.
O crescimento anual médio dos países avançados foi de 5,5% na década de 60 (auge do Estado intervencionista e de bem-estar), de 3,6% na de 70 e de 2,9% nos anos 80. A multiplicação do desemprego na década de 90 é conhecida.
A explicação de Anderson para esse fenômeno é que os lucros foram concentrados em atividades financeiras, em suas palavras, "parasitárias" ou não-produtivas.
Na edição de setembro de 95 do "Journal of Economic Issues", artigo do prof. Don Goldstein mostra como a queda do crescimento depois da década de 60 (e, portanto, o refluxo dos lucros bancários na atividade tradicional de financiamento da produção) levaram as instituições financeiras a aceitar maiores riscos e a buscar novos produtos. Para tanto, o setor pressionou, nos EUA, pela desregulamentação de mercados, que compõe parte da agenda neoliberal.
Segundo Goldstein, as atividades bancárias, antes baseadas no relacionamento de longo prazo com as corporações, tenderam para a administração de transações, entre as quais as numerosas fusões iniciadas na era Reagan.
Em apoio a essa observação, é ilustrativo que o secular banco inglês Barings tenha quebrado ao perder em apostas especulativas e não porque as empresas que financiasse deixassem de honrar os empréstimos. Entre as principais atividades dos novos e bem sucedidos "bancos de investimento" brasileiros estão a especulação com juros e câmbio e na Bolsa.
No Brasil, esse viés financeiro próprio das reformas de inspiração neoliberal é agravado, de um lado, pela necessidade de atrair capitais para fechar o balanço de pagamentos e, de outro, pelo cálculo eleitoral do governo, que parece avaliar que, contendo a inflação, pouco importam o custo dos juros, a situação social e o desemprego.
Dada a peculiaridade da estabilização brasileira, fundada sobre uma âncora cambial, uma alternativa às atuais políticas conservadoras seria, ainda que mantendo juros altos (mas não tão altos), atuar diretamente no sentido de desconcentrar renda e expandir o mercado de trabalho.
Elevar, ao invés de reduzir, a progressividade do IR. Atuar rigorosamente contra a sonegação, em vez de restringir a obtenção de aposentadorias. Reduzir a jornada de trabalho. Impor ao sistema financeiro o ônus da manutenção de sua estabilidade, e não salvar bancos com dinheiro público. Fazer a reforma agrária. Usar o dinheiro já disponível do FAT para ampliar o seguro-desemprego. Enfim, tirar do capital para beneficiar os pobres e a classe média, em vez de fazer o contrário.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de ANDRÉ LAHÓZ

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