São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Membro do clã Odebrecht resgata pai guerrilheiro

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Sobrinho-neto de Norberto Odebrecht, maior empreiteiro do país, Marcos Antônio do Prado Valadares da Silva Lima quer recuperar a história de seu pai: um marinheiro negro, morto em 70, durante o regime militar.
A tarefa de Marcos, 30, vai começar nos próximos dias, em Brasília, na comissão criada pelo governo para indenizar familiares de pessoas mortas durante o regime militar (1964-1985). Já foram identificados 136.
Marcos Antônio da Silva Lima, o pai, morreu aos 29 anos, em janeiro de 1970, em Copacabana, no Rio, oficialmente por resistir à prisão pela Polícia do Exército. Está no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos do Regime Militar.
O filho, Marcos, nasceu em 1965, em Cuba, onde seu pai vivia exilado. Sua mãe, Cátia, também exilada em Havana, é filha de Érica Odebrecht Valadares, irmã de Norberto.
Cátia era militante política e se exilou na embaixada do México em março de 1964. Depois da morte de Silva Lima, Cátia foi presa. Seu filho foi criado pela bisavó, Herta Odebrecht, mãe de Norberto, morta em julho do ano passado aos 99 anos.
Foi na Embaixada do México que Cátia conheceu Silva Lima, um sargento da Marinha que era vice-presidente da Associação dos Marinheiros. Fizeram parte do primeiro grupo de exilados do país. Foram inicialmente para o México. Depois se exilaram em Cuba, onde se casaram.
Silva Lima nasceu em Campina Grande (PB), de família pobre. Era alto e forte. Antes da política, foi centroavante do Estrela do Mar Esporte Clube, da Paraíba. Depois da Marinha, ingressou no MAR (Movimento Armado Revolucionário).
O casal morou em Cuba até 1967. Na volta ao Brasil, Silva Lima foi preso em São Paulo e levado para o Rio. Fugiu da prisão um ano depois. A partir daí, ficou na clandestinidade até receber tiros de fuzis na cabeça.
O Dossiê dos Mortos e Desaparecidos diz que ele foi deixado como desconhecido, no Hospital Souza Aguiar, em estado de coma. Morreu 15 minutos depois.
Após sua morte, Cátia foi presa três vezes. Marcos diz que ela escapou da morte e de torturas por causa do parentesco.
Além da família Odebrecht, Cátia também tinha sobrenome paterno importante. Seu pai, Clarival do Prado Valadares, foi um homem de muito prestígio no Rio. Era médico, historiador e crítico de arte. Ensinou nas principais universidades fluminenses.
Mais tarde, Cátia se casou com o desembargador Osny Duarte Pereira, com quem vive até hoje.
Solteiro, Marcos estudou comunicação e faz mestrado na área de informática. Trabalhou até recentemente na Odebrecht.
Votou em Lula em 1989 e em Fernando Henrique em 1994. Tem orgulho da atuação política do pai: "Meu pai não pode ser comparado a um bandido comum. Ele lutou por seus ideais".
A lembrança do pai é uma referência muito importante para ele. Um quadro na parede de seu quarto mostra a figura de um guerrilheiro de cabelos compridos, fuzil na mão e índios tatuados no peito.
"Cultuo esse quadro como se fosse a imagem do meu pai", diz. Segundo ele, os Odebrecht nunca foram um obstáculo na sua relação com a memória do pai. "Me dou muito bem com todos os meus tios. Minha bisavó Herta me adorava."
Criança, ouviu de um dos tios uma referência sobre o pai: "Ele me disse que não importava de que lado ele estava. Importava saber de que forma ele estava. "Meu pai sempre cumpriu esse padrão ético de conduta".
Marcos quer que a inclusão do seu pai na lista dos mortos do regime militar sirva de reparação moral e histórica.
Já decidiu o que fazer com os R$ 150 mil de indenização.
Metade vai para uma de suas tias, Marlene, irmã de seu pai. "A outra eu vou empregar em alguma coisa, que nem sei ainda o que é, que sirva para recuperar a memória de meu pai", afirma.

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