São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Mulheres cedem a casamentos 'arranjados'

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nenhuma delas teve a ousadia de Dara, a cigana desertora da novela "Explode Coração"-ela trocou Igor (Ricardo Macchi), para quem tinha sido prometida, pelo executivo Júlio Falcão (Edson Celulari).
Na vida real, faltou coragem. Por promessa ou "sugestão" dos pais, muitas mulheres (ciganas ou não) se casaram com homens da mesma religião, ou com amigos da família -algumas sem sequer conhecer direito o marido.
"Eu era muito jovem, não tive condição de fugir ou dizer não a tudo aquilo", diz a cigana Rita Janovich, 24. Ela foi prometida pelo pai, que estava bêbado em uma festa, a um homem 15 anos mais velho. Teve de se casar aos 14 anos e abandonar o sonho de viver com um rapaz da idade dela.
O noivo era da família Vasith, de ciganos cariocas, que, segundo Rita, tem o costume de seviciar as mulheres. Ele também a deixava praticamente sem comer e a fazia acordar cedo.
"Me levantava às cinco da manhã, para preparar o café do meu sogro, e só fazia uma refeição por dia", diz. Rita ficou casada mais de quatro anos, até ser abandonada grávida de três meses.
"A mulher cigana jamais abandona o marido, mesmo que apanhe, seja maltratada, passe fome", afirma. "Eu aguentei até o fim. Quem me abandonou foi ele, para ficar com a ex-mulher."
O segundo marido de Rita é um primo, mas foi escolhido por ela. "A cigana separada tem autonomia sobre a própria vida", diz. "Estou muito feliz agora."
Os ciganos estão em alta, por causa da novela, e acabaram fazendo o telespectador lembrar de uma porção de ghades (não ciganos) que também se casaram por "sugestão" dos pais.
"Cresci tão sugestionada, que jamais pensei em me casar com outro homem. Nem sequer reparava em paqueras", diz a dona de casa Marisa da Costa Leite, 46, que foi educada entre portugueses.
Ela começou a namorar com o marido quando fez 15 anos. "Não havia mais ninguém para dançar valsa comigo. Ele era sempre a única possibilidade", diz (leia depoimento ao lado).
Mais tarde, já na faculdade de Letras, Marisa participou do movimento estudantil, em 1968, enquanto o namorado "sugerido" fazia serviço militar.
"Eu panfletava nas ruas e ele trabalhava com a repressão", diz. "Certa vez, ele me colocou para fora do carro porque eu acendi um cigarro. Já eram sinais de que nós tínhamos diferenças, mas eu não queria pensar no assunto. Gostava muito do meu pai", diz.
Historicamente, pais judeus e árabes também "fazem muito gosto" no casamento dos filhos com alguém da mesma religião.
A corretora Clara W., 40, conheceu o marido aos 16 anos (ele tinha 30), depois de ouvir falar dele desde os 12. Eles foram apresentados no barmitzvah (cerimônia de emancipação do homem judeu) do irmão dela.
"A campanha começou ali", diz Clara. Um ano mais tarde, os pais a matricularam em um colégio suíço. "Era uma escola super rigorosa e eu não queria ir. Eles disseram 'ou vai, ou se casa'. Eu, muito burra, escolhi me casar."
Clara se casou aos 17 anos e teve três filhos com um sujeito que ela não sabia direito quem era. Ela diz que vive em crise. "Já pensei milhões de vezes em me separar."
Mais sorte teve a síria Narla Daniel, 32. Ela já tinha ouvido falar do homem que se tornou seu marido, por uma tia, e se deu bem com ele a primeira vista.
"Gostei dele logo e vivemos bem até hoje. Nos conhecemos há dez anos, quando ele foi visitar a avó, na Síria, e as famílias marcaram o encontro. Eu falava o francês e o árabe, ele português e inglês. Namoramos três dias, com o meu irmão escoltando, e ele voltou depois para o noivado. Nos casamos em uma terceira viagem dele à Síria."

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