São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 1996
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A França pode ser aqui!

KJELD JAKOBSEN

Estive em Paris na primeira semana de dezembro, representando a Central Única dos Trabalhadores no 45º Congresso da Confédération Générale du Travail, que também comemorava seus 100 anos.
A greve contra a reforma da Previdência na França já havia iniciado e estava crescendo com a adesão de outros setores. Àquela altura incluía principalmente metroviários, ferroviários, eletricitários, funcionários das empresas de gás e professores. Os trabalhadores da Air France e os controladores de vôo aderiram poucos dias depois.
Pouco antes da greve, havia também mobilização intensa de estudantes, reivindicando mais verbas para a Educação.
O que me impressionou foi a força do movimento e o apoio da população à greve, mesmo diante dos inconvenientes que, por exemplo, a ausência do metrô provoca em Paris. As pessoas se deslocavam a pé, de bicicleta, de táxi ou de carro particular. Alguns simplesmente ficavam em casa e outros dormiam no trabalho.
O transporte solidário em automóveis particulares e em táxis era amplamente praticado. A paciência das pessoas, mesmo no trânsito caótico, era grande. Esse apoio, que segundo o jornal "Le Figaro" se mantinha em 59% da população, tinha várias razões:
1) As propostas do governo são decorrentes do acordo de Maastrich, que prevê a manutenção de um déficit público de no máximo 3%. Quando o acordo foi ratificado pelos países da Comunidade Econômica Européia, já existia um ceticismo muito grande.
A Dinamarca, por exemplo, teve de realizar dois plebiscitos para aprová-lo. Esse ceticismo permanece, uma vez que os ajustes necessários para viabilizar a integração econômica têm atingido somente os direitos dos cidadãos.
2) Quando o governo propõe a participação do setor privado nas empresas de transporte, isto significa mudanças em um serviço que é extremamente eficiente.
Os europeus já conhecem a diferença de qualidade entre a gestão privada e do Estado nos serviços públicos. É só ver o que aconteceu com a TV e com o Correio, na Alemanha, depois que foram privatizados.
A televisão passou a exibir filmes classe B e C e o Correio, que atendia todas as localidades diariamente, passou a fazê-lo semanalmente e até quinzenalmente nos locais mais distantes ou menores.
3) A redução de recursos para saúde e educação, embutida no Plano Juppé, ataca duramente o "welfare state", conquistado durante as décadas de 60 e de 70.
4) A reforma da Previdência Social, ao aumentar o tempo de contribuição e eliminar aposentadorias especiais como a dos ferroviários, além de retirar direitos dos trabalhadores, contribui para aumentar o desemprego, que já não é pequeno.
5) Por último, mas não menos importante, Jacques Chirac, o presidente conservador recém-eleito, não disse que ia fazer esse tipo de reforma durante sua campanha eleitoral. Além do mais, é difícil explicar os cortes nos recursos da saúde e da Previdência, ao mesmo tempo em que milhões de francos são explodidos nos testes atômicos na Polinésia.
A greve e o apoio a ela dado pela maioria da população são o voto de desconfiança do povo francês ao governo neoliberal.
É importante registrar também que as centrais sindicais francesas vinham tentando negociar a reforma com o governo.
A Confédération Française Democratique du Travail organizou várias manifestações, reivindicando reformas na Previdência Social e apresentando sua proposta, mesmo não tendo aderido à greve. A CGT, majoritária nas categorias que paralisaram suas atividades, reivindicava a abertura de negociações.
Portanto, a intransigência e a postura de "dono da verdade" do primeiro ministro francês foram as responsáveis pela greve e pelos incômodos que esta possa ter provocado.
Qualquer semelhança com o que ocorre no Brasil não é mera coincidência. Aqui também pretendem implantar uma reforma na Previdência que é um enorme retrocesso nos direitos dos trabalhadores. Aqui também querem conter o déficit com cortes de recursos das áreas sociais. Aqui também não dialogam com ninguém.
No entanto, estamos aprendendo com os trabalhadores da Itália, França, Bélgica. E se os neoliberais tupiniquins insistirem na sua postura, vamos fazer "uma França" aqui.

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