São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 1996
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BRITS OU IANQUES?

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Hollywood Rock que começa neste dia 19 espelha com cruel precisão o estado das coisas do rock and roll na década de 90. A rivalidade EUA x Inglaterra está de volta, bandas medianas dominam a cena mundial, múmias viventes de 25 anos atrás recusam-se a sossegar de vez em suas tumbas.
Erros e acertos acumulados durante décadas na cena pop vão se entrecruzar neste festival. A americana Smashing Pumpkins, uma banda antes conhecida pelo som violento, vem mostrar seu recém-lançado álbum duplo "Mellon Collie and the Infinite Sadness", um exercício sinfônico, progressivo, pretensioso, "complexo". Em uma palavra: inglês.
Já os ingleses do Supergrass trazem seu punk/pop básico, sem maneirismos ou afetações. Em uma palavra, americano.
Ainda entre os britânicos, Jimmy Page e Robert Plant tentam lembrar como era bom ser metido a besta nos anos 70. E o Cure mergulha no lúgubre rock dos anos 80 para emergir sorrindo nos 90.
Vale notar que o Cure é uma banda inglesa. Mas em seu país ninguém mais lembra dela. Só faz sucesso nos Estados Unidos.
Black Crowes, de tão inexpressivo, em nada ajuda o time dos EUA no balanço final.
Em resumo, uma confusão dos infernos. Mas, como se costuma dizer, se você não está confuso é porque está mal-informado.
Pendengas regionais à parte, já podemos fazer algumas apostas sobre quem vai se destacar no Hollywood Rock. Os pontos altos devem ficar com duas bandas americanas, feras ao vivo: Urge Overkill (ex-protegidos/discípulos do líder do Nirvana, Kurt Cobain, morto em 1994) e White Zombie (o som que Zé do Caixão faria se tivesse ganho uma guitarra de presente quando era garoto).
As canções do Urge Overkill, algo açucaradas desde que há três anos o grupo assinou com uma gravadora grande, a Geffen, tratam de temas-chaves, aqueles que importam de verdade -angústia sem controle, solidão, amores condenados à inviabilidade, morte.
O White Zombie transita na mesma praia. Mas sua estética é de filme barato de terror. Se fossem diretores de cinema de horror, Urge Overkill seria sutil como Jack Clayton. White Zombie estaria mais para o explícito Dario Argento.
No fim, não faz muita diferença: por caminhos diversos, Urge Overkill e White Zombie chegam ao mesmo resultado devastador.
Legal, mas ainda é pouco. Há anos o cenário rocker levita em um asfixiante estado de suspensão. Nada brota desse sonoro caldo de cultura.
O tiro que esfacelou o crânio de Kurt Cobain parece ter aniquilado também a criatividade roqueira. O Nirvana arrasou nosso mundo. Uma passagem tão fulminante, tão devastadora, que em sua fugacidade niilista esqueceu de plantar as sementes do que viria depois.
Sobrou uma terra arrasada. E nossa aflição, nossa espera.
Existem, porém, os que não se preocupam com nada disso. Estão se lixando para a cena roqueira. Gostam mesmo é de fumo e suingue. Para essa galera, o festival vai ter reggae de monte. Os nomes não fazem muita diferença. Reggae é tudo igual.
Mas chega de teoria. Anódino ou não, repetitivo ou não, o fato é que o rock and roll vai mandar em São Paulo e no Rio por um total de seis dias.
E o rock tem aquele poder catártico de nos livrar da lama existencial, de nos iludir por três minutos, de nos fazer pensar que, bem, talvez, as coisas tenham sentido. De nos lembrar de querer viver.
O Hollywood Rock vem aí.
Divirta-se. Se você achar que merece.

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sobre o Hollywood Rock à página 5-3

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