São Paulo, segunda-feira, 15 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os com-terra

DARCY RIBEIRO

Todo mundo está preocupado com os sem-terra. Uns, entusiasmados com a promessa revolucionária que eles encarnam de quebrar o monopólio do latifúndio, dando aos pobres acesso a uma pequena propriedade familiar. Outros, aterrados com a ameaça que eles representam de pôr fogo no Brasil, liquidando com a prodigiosa fonte de riqueza e de divisas que são as fazendas produtivas e com a preguiça dos latifundiários.
Trata-se do enfrentamento de milhões de sem-terra com uns poucos milhares de com-terra. Segundo números do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), datados de 1992, só os latifúndios improdutivos com mais de 5.000 hectares, que são apenas 161, controlam 30 milhões de hectares. Só nessa imensidade de terras caberia meio milhão de famílias.
A massa maior, porém, de terras disponíveis para criar um sistema fundiário socialmente responsável está nas mãos dos com-terra, que têm propriedades de 1.000 a 5.000 hectares. Quase todas cobertas de pastagens em áreas cultiváveis ou simplesmente mal usadas por fazendeiros preguiçosos, que se contentam com pouco, porque seu maior temor é contratar trabalhadores.
A primeira forma real e ativa de enfrentar esse monopólio fundiário é representada pelo Movimento dos Sem-Terra. Eles estão mobilizados em cerca de mil núcleos, cada um dos quais capaz de coordenar as ações de mil famílias.
Devem somar, agora, 1 milhão de pessoas facilmente multiplicáveis por dois e por quatro. Tantos são os que querem ser assentados como pequenos proprietários ou como membros de cooperativas.
É preciso que isso comece a ser feito a sério -pondo abaixo toda a legislação e toda jurisprudência secular de defesa do latifúndio- para preservar as fazendas produtivas, que controlam metade da área de propriedades rurais e que são capazes de melhorar rapidamente sua produtividade.
Se isso não for feito, irá tudo de roldão, e os com-terra, embolados nos sem-terra, viverão uma crise desastrosa para eles e para o Brasil.
Nunca tão poucos latifundiários infecundos -cerca de 20 mil- desgraçaram a vida de tantos milhões de brasileiros ao longo de tantos séculos. Esses com-terra vivem em boas casas, são gente educada, instruída e bem nutrida, cujo negócio não principal, mas secundário, é especular com a terra.
Os sem-terra somam milhões de miseráveis, ignorantes, atolados nas fazendas, nas favelas e nas periferias, condenados ao desemprego e suas sequelas: a fome, a droga e a violência.
A existência e a reprodução ampliada dessas massas espoliadas, ano após ano, sempre na mesma penúria, condena o Brasil ao atraso autoperpetuante em que vivemos afundados. Até quando?

Texto Anterior: Túlio & Télvio
Próximo Texto: EXEMPLO; PREVISÃO; SEM SAÍDA; RECEITA; TEORIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.