São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 1996
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Conteúdo é o mais importante na Internet

BILL GATES

NBC e Microsoft estão montando um serviço de notícias para a Internet
Novas tecnologias permitirão cobrar pouco pelo acesso à informação
Segundo minha previsão, boa parte do dinheiro de vulto na Internet será feito a partir do conteúdo, assim como aconteceu no rádio e na televisão.
A revolução da TV, que teve início meio século atrás, deu origem a várias indústrias, inclusive a de televisores, mas os vencedores de longo prazo foram aqueles que usaram esse meio de comunicação para transmitir informações e entretenimento.
Quando se trata de uma rede interativa como a Internet, a definição do que seja "conteúdo" se torna muito ampla. O software para computadores, por exemplo, é uma forma de conteúdo, uma forma extremamente importante -para a Microsoft, continuará sendo de longe a mais importante.
Mas, para a maioria das empresas, as amplas oportunidades que se colocam envolvem o fornecimento de informações e o entretenimento. Nenhuma companhia é pequena demais para participar.
Uma das coisas instigantes da Internet é que qualquer pessoa que tenha um PC e um modem pode publicar qualquer conteúdo que conseguir criar.
A Internet também permite a distribuição das informações pelo mundo inteiro a um custo marginal, praticamente zero, para aquele que a publica.
As oportunidades que existem são notáveis, e muitas empresas estão fazendo planos para criar conteúdo para a Internet.
Por exemplo, a rede de televisão NBC e a Microsoft recentemente concordaram em entrar juntas no ramo do noticiário interativo.
Nossas empresas serão proprietárias conjuntas de uma rede de notícias a cabo, a MSNBC, e de um serviço interativo de notícias na Internet. A NBC terá o controle editorial sobre a joint venture.
Minha previsão é que as sociedades irão testemunhar uma concorrência acirrada -e também vários fracassos, além de êxitos, em todas as categorias de conteúdo popular-, não apenas em software e noticiários, mas também em entretenimento, programação de esportes, diretórios, anúncios classificados e comunidades on line dedicadas a grandes interesses.
As revistas impressas já têm conjuntos de leitores que compartilham interesses comuns. É fácil visualizar essas comunidades sendo servidas por edições eletrônicas on line.
Mas, para dar certo on line, não basta a revista simplesmente pegar o que tinha impresso e transferir para o meio eletrônico. Não existe profundidade ou interatividade no conteúdo impresso para superar os obstáculos do meio on line.
Para convencer as pessoas a ligarem um computador para lerem conteúdo em uma tela é preciso recompensar seu esforço com informações em profundidade e extremamente atualizadas, que elas possam explorar à vontade.
Elas precisam dispor de áudio e, possivelmente, de vídeo. Precisam de uma oportunidade de envolvimento pessoal que vá muito além do que já têm nas páginas de cartas do leitor das revistas impressas.
Uma pergunta que muitas pessoas se fazem é com que frequência a mesma companhia que atende a um grupo de interesses em um meio impresso conseguirá atendê-lo no meio on line. A Internet questiona o próprio futuro de certas revistas impressas.
Por exemplo, a Internet já está revolucionando o intercâmbio de informações científicas.
As revistas científicas impressas costumam ter circulação pequena, o que as tornam caras. As bibliotecas universitárias compõem grande parte de seu mercado.
Essa tem sido uma maneira cara, lenta e desajeitada de distribuir informações a um público especializado, mas não havia outra alternativa.
Agora, alguns pesquisadores estão começando a usar a Internet para publicar descobertas científicas. Essa prática desafia o futuro de algumas revistas científicas vulneráveis.
Com o passar do tempo, a amplitude das informações disponíveis na Internet será enorme, fato que a tornará quase obrigatória.
Embora o ambiente atual de "corrida ao ouro" se restrinja principalmente aos Estados Unidos, prevejo que irá disseminar pelo mundo à medida que os custos das comunicações caiam -e uma massa crítica de conteúdo especializado torne-se disponível em diferentes países.
Para a Internet crescer e vicejar, os provedores de conteúdo precisam receber por seu trabalho.
As perspectivas a longo prazo são boas, mas prevejo muitas decepções a curto prazo para as companhias que lutarem para ganhar dinheiro por meio de publicidade e assinaturas. A coisa ainda não está funcionando. E pode ser que leve algum tempo para começar.
Por enquanto, pelo menos, a maior parte do dinheiro e do esforço investidos na publicação interativa não estão tendo retorno financeiro -e é pouco mais do que um esforço para promover produtos vendidos no mundo não-eletrônico.
Muitas vezes esses esforços se baseiam na crença de que, com o tempo, alguém encontrará uma maneira de tornar a coisa rentável.
A publicidade, a longo prazo, é promissora. Uma vantagem da publicidade interativa é que a mensagem inicial só precisa atrair atenção e não transmitir muita informação sobre o produto.
O usuário pode clicar sobre um anúncio para conseguir informações adicionais, e o anunciante terá meios de medir se as pessoas estão fazendo isso ou não.
Mas, hoje, a receita ganha com assinaturas ou publicidade na Internet é quase zero: coisa de US$ 20 milhões ou US$ 30 milhões no total.
Os anunciantes sempre se mostram um pouco relutantes em adotar um novo meio de comunicação, e a Internet com certeza é muito nova, muito diferente.
Um pouco de relutância dos anunciantes pode ser justificado, já que muitos usuários da Internet não vêem com bons olhos a idéia de encontrar anúncios na rede.
Uma razão disso é que muitos anunciantes utilizam imagens grandes, que levam muito tempo para serem transmitidas em uma conexão telefônica.
Um anúncio de revista também usa espaço, mas o leitor pode mudar de página rapidamente.
À medida que as conexões à Internet fiquem mais velozes, a irritação decorrente da espera para um anúncio ser carregado irá diminuir e, depois, desaparecer. Mas para isso ainda será preciso esperar alguns anos.
Algumas empresas fornecedoras de conteúdo estão experimentando trabalhar com assinaturas, frequentemente oferecendo como isca um pouco de conteúdo gratuito.
Mas essa tática é arriscada, porque assim que uma comunidade eletrônica começa a cobrar uma assinatura, o número de pessoas que visitam o local cai dramaticamente, reduzindo o valor proposto ao anunciante.
Uma das principais razões pelas quais pagar por conteúdo ainda não funciona bem é que não é prático cobrar quantias pequenas.
O custo e a dificuldade das transações eletrônicas fazem com que seja pouco prático cobrar menos do que uma taxa mais ou menos alta de assinatura.
Mas daqui a um ano haverá mecanismos em funcionamento que permitirão aos provedores cobrar apenas um centavo ou alguns centavos por informação.
Se você resolver visitar uma página que custe cinco centavos, não precisará preencher um cheque ou receber uma conta pelo correio. Simplesmente, clicará em cima do que quer, sabendo que aqueles cinco centavos serão cobrados de maneira agregada.
Essa tecnologia possibilitará aos provedores a cobrança de quantias pequenas de dinheiro, na esperança de atrair públicos maiores.
Aqueles que conseguirem fazê-lo irão levar a Internet adiante, como um mercado de idéias, experiências e produtos, um mercado de conteúdo.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada a Bill Gates no endereço eletrônico askbill@microsoft.com. Tradução de Clara Allain.

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