São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 1996
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Você é feio?

GILBERTO DIMENSTEIN

Depois de mulheres, homossexuais, gordos, negros e paralíticos, os americanos encontraram mais uma categoria da população discriminada no trabalho e atingida no bolso: os feios.
A ofensiva a favor do esteticamente correto ganhou sustentação em pesquisas realizadas por economistas das universidades do Texas e de Michigan. Numa investigação preliminar, eles encontraram indícios de discriminação ao examinar o perfil salarial de 7.000 pessoas.
Na busca de dados mais precisos, eles se fixaram, em seguida, no desempenho de 2.000 graduados em direito, todos da mesma faculdade -para cada aluno, deram uma nota a partir de sua aparência física.
Depois de cinco anos no emprego, segundo os pesquisadores, os mais bonitos ganharam uma dianteira salarial de 9% sobre os menos abençoados fisicamente. Em mais dez anos, a diferença passou para 13%.
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Óbvio que, num país de advogados sempre prontos a faturar uma causa, as pesquisas provocaram mais um exagero politicamente correto: já pensam em enquadrar os feios na lei que protege deficientes físicos, conhecida como ADA (American with Disabilities Act).
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Essa lei tem garantido milhões de dólares em processos judiciais para empregados demitidos, capazes de convencer o júri de que, por serem obesos ou sofrerem de depressão, são deficientes.
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A onda do politicamente correto leva a tantos exageros e absurdos que, muitas vezes, cai no ridículo -se você elogiar o vestido de sua funcionária, por exemplo, ela pode alegar assédio sexual.
Mas, sinceramente, prefiro o exagero aqui do que a carência brasileira, onde negros, mulheres, paralíticos e homossexuais são discriminados no trabalho e estão desamparados na Justiça.
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Salários -uma tendência americana a ser observada com microscópio pelos sindicatos brasileiros. A economia cresce, atingem-se níveis jamais conhecidos de produtividade nas empresas, mas o nível salarial cai e aprofunda a má distribuição de renda.
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Ou seja: além de a tecnologia comprometer o emprego, contém o salário.
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Especialistas de marketing dos partidos dos Estados Unidos detectaram em pesquisas de opinião que o trabalhador se sente lesado e tem de trabalhar mais para manter o mesmo padrão de vida, sacrificando a família.
Apostam que esse sentimento será um dos temas centrais aqui da sucessão presidencial.
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Toda essa insatisfação ocorre num país em que a renda média das famílias é de US$ 3.000, uma utopia para os brasileiros.
Um motorista de táxi em Nova York ganha mais do que um médico no pronto-socorro público; o motorista, em média, ganha US$ 2.000.
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Injustiça: Um dos esportes favoritos dos brasileiros ricos em Nova York e Miami é falar mal dos sacoleiros compatriotas. Curioso: quando apenas a elite conseguia vir aos Estados Unidos, enchendo-se de compras, o deslumbramento era chique. Agora que chegam bancários e donas-de-casa virou brega, motivo de deboche.
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Má notícia para as dondocas e dondocos. Para os americanos, todos os sacoleiros são iguais.
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PS - Na avenida Amsterdam, entre as ruas 81 e 82, há uma loja de CDs usados, mas em ótimo estado. É possível encontrar um CD por menos de US$ 5.

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