São Paulo, quarta-feira, 17 de janeiro de 1996
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O asno de Buridan era tucano

ANTONIO DELFIM NETTO

À medida em que terminava o ano de 1995 veio à luz uma divergência desagradável que se escondia no comando da economia. Fazenda e Planejamento tentaram, cada um, tirar para si uma fatia mais grossa do bom resultado inflacionário.
E empurraram entre si os resultados que podem comprometer o ano de 1996, principalmente o reaparecimento do déficit operacional.
De acordo com a versão da Fazenda, as taxas de juros estão altas (em dólares, pagamos em torno de 30% no último trimestre de 1995) porque o Planejamento não fez o seu "dever de casa" (que era produzir um superávit primário importante). Dessa forma, todo o peso do ajuste teve de ser suportado pela política monetária.
A versão do Planejamento é diferente. O déficit retornou porque a manutenção da taxa de juros elevada (para sustentar uma taxa de câmbio sobrevalorizada) atraiu o capital volátil, que foi esterilizado pelo aumento da dívida interna, o que aumentou a despesa com juros. Logo, quem não fez o "dever de casa" foi a Fazenda.
A discussão não se fez no primeiro escalão, mas em pequenos "sueltos" que os assessores próximos de cada ministro publicaram na imprensa.
E, mais ainda, nas pequenas notas venenosas que frequentaram as colunas mais influentes dos jornais, de acordo com o prestígio adquirido por cada ministro na troca de informações em "off".
O que parece mais correto é reconhecer que os dois ministérios têm suas "boas razões", mas que o resultado final mostra que o déficit operacional os condena igualmente, como se vê na tabela abaixo:
O déficit operacional aumentou de forma dramática tanto pela redução do superávit primário (que é responsabilidade do Planejamento) como pelo aumento das despesas de juros (que é responsabilidade do Banco Central e, portanto, da Fazenda).
É claro que seria ridículo imaginar que esses aumentos de déficits tenham sido "planejados" ou "desejados" pelos ministros ou que eles tenham se empenhado na sua realização. Os dois, certamente, desejariam exatamente o contrário.
A verdade é que os dois competentes economistas devem ter aprendido uma amarga lição em 1995: eles não puderam fazer o que sempre recomendamos.
O mal que fizeram não foi por maldade ou incompetência. Foi apenas porque não puderam fazer o bem. Mas os mortos que deixaram serão debitados às suas consciências porque agora sabem que podem matar, mas não podem (pelo menos até agora!) ressuscitar.
Os dois deviam lembrar a velha história do "asno de Buridan", que nos chegou através de Spinoza: ele que morreu de fome indeciso, entre dois montes de alfafa equidistantes, mas igualmente apetitosos. Exatamente como um tucano...

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