São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 1996
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'TV Nation' chega para criar polêmica

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

Há 15 anos, quem dissesse ao jornalista Michael Moore, 41, que ele se tornaria um dos mais controversos diretores de TV dos últimos tempos receberia como resposta uma sonora gargalhada. Do próprio Moore.
"Fazer TV ou cinema não era parte dos meus planos. Ganhava US$ 15 mil por ano, vivia duro e não sabia nem mexer numa câmera", afirmou à Folha o criador do "TV Nation", programa que vai voltar ao ar no Brasil a pedidos de espectadores (leia texto abaixo).
O programa -que mistura humor e documentário- foi um dos maiores sucessos de audiência da televisão dos EUA em 1994 e 95 (leia textos ao lado).
Até os 30 anos, Moore jamais havia pensado em abandonar a cidade operária de Flint (Michigan), onde morava desde que nasceu.
Como a maioria de seus amigos de infância, ele não fez faculdade e começou a trabalhar cedo nas fábricas da região.
Aos 22 anos, Moore fundou o "Flint Voice" jornal opinativo que se tornou uma das principais publicações alternativas de Michigan. Dez anos depois, deixou o "Flint Voice" para ser editor da "Mother Jones" revista ligada a grupos de esquerda e uma das mais importantes do país.
Mas desde os 18 anos que ele faz barulho. "Fui eleito para representar a comunidade junto à Secretaria de Educação em 1972. Foi a primeira vez que alguém tão jovem ocupou um posto como este na história dos EUA", contou.
A decisão de trocar o jornalismo impresso pelo cinema e TV aconteceu em 1986. Ele havia sido demitido da "Mother Jones" e passava os dias em casa quando viu pela TV uma entrevista de Roger Smith, presidente da fábrica de automóveis General Motors.
Smith estava anunciando novas demissões e Moore teve a idéia de fazer um documentário para mostrar a ele os prejuízos que o fechamento de uma das fábricas da GM havia causado em Flint.
"Havia tentado entrevistar Smith milhares de vezes, mas ele nunca aceitava. Achei que se fizesse um filme mostrando o que aconteceu em Flint, poderia chamar atenção. Mas não queria nada dramático. Sabia desde o início que teria que usar muita ironia e sarcasmo para ser ouvido."
Em 89, três anos depois da entrevista, Moore lançava "Roger and Me", documentário que conseguiu levar mais público ao cinema em toda a história dos EUA.
"Na época não havia percebido, mas quando fiz 'Roger and Me' criei um novo gênero de filme que é justamente a fusão do documentário com o humor", afirmou.
O filme, que custou US$ 250 mil para ser produzido, gerou lucro de mais de US$ 30 milhões.
Embalado pelo sucesso de "Roger and Me", Moore se mudou para Nova York em 91. No ano seguinte, produziu seu segundo longa, a comédia "Canadian Bacon", último filme estrelado por John Candy antes de sua morte.
O filme fracassou nas bilheterias, mas Moore já havia transformado seu nome em grife.
Por isso, no início de 1993, ele recebeu convites da NBC e da Tri Star Television para tentar reproduzir na TV a mistura de documentário e humor que havia criado em "Roger and Me". "Quando me ligaram pela primeira vez, achei que era engano. Imaginei que eles deveriam estar procurando Roger Moore (ex-007)."
Hoje, Michael Moore é contratado de outra TV, a Fox. Mas seu programa está suspenso por tempo indeterminado. Os 17 episódios já produzidos do "TV Nation" deverão ser lançados em vídeo nos EUA até o fim de 96.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Moore concedeu à Folha, de seu escritório em Nova York.
*
Folha - "TV Nation" foi suspenso pela NBC e agora pela Fox. Seu relacionamento com a cúpula das emissoras de TV é problemático?
Michael Moore - Extremamente. Vivo lutando para não ser censurado, nunca tenho sossego.
Folha - Por que o programa foi suspenso dessa vez?
Moore - A Fox distribuiu um comunicado oficial afirmando que deixaria de exibir "TV Nation" porque a audiência estava caindo. Isso é mentira. Eles ficaram cansados de brigar comigo e resolveram nos colocar na geladeira.
Folha - Se a Fox decidir cortar o programa o que você fará?
Moore - Já tenho convite de pelo menos outras três emissoras para reestrear o "TV Nation" em junho. Continuar com o programa agora é uma questão de honra.
Folha - Você sabia que "TV Nation" é transmitido pela TV a cabo no Brasil?
Moore - Não sabia, mas acho que o programa fará sucesso em qualquer lugar porque os temas que abordo são de interesse mundial. Desemprego, racismo, eutanásia e políticos retrógrados existem em todos os cantos.
Folha - É você quem escreve todos os roteiros do programa?
Moore - Não, trabalho com cinco amigos de escola, todos de Flint. Mas 60% das idéias são originalmente minhas.
Folha - "TV Nation" é um documentário. Mas você nunca se preocupa em ser imparcial...
Moore - Porque essa história de objetividade jornalística é besteira. A imprensa nunca foi imparcial, nem nunca será. Mas a mídia tradicional fica buscando esse mito. É hipocrisia pura.
Folha - A imprensa dos EUA se refere a você como um diretor esquerdista. O rótulo incomoda?
Moore - Não. Hoje é tão fora de moda ser considerado de esquerda que eu acho um elogio para mim.
Folha - Apesar de a esquerda estar fora de moda, "TV Nation" tem uma legião de seguidores.
Moore - Pois é. Talvez a direita esteja mais fora de moda ainda.
Folha - Você já tem candidato a presidente?
Moore - Não. Só sei que jamais votaria em Bob Dole (pré-candidato do Partido Republicano). Ele não tem o menor senso de humor e não confio em gente mal-humorada. O público também não. Tenho certeza que ele vai perder e o mal humor será um fator determinante. Pode escrever o que estou dizendo.

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