São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 1996 |
Próximo Texto |
Índice
'TV Nation' chega para criar polêmica
DANIELA FALCÃO
"Fazer TV ou cinema não era parte dos meus planos. Ganhava US$ 15 mil por ano, vivia duro e não sabia nem mexer numa câmera", afirmou à Folha o criador do "TV Nation", programa que vai voltar ao ar no Brasil a pedidos de espectadores (leia texto abaixo). O programa -que mistura humor e documentário- foi um dos maiores sucessos de audiência da televisão dos EUA em 1994 e 95 (leia textos ao lado). Até os 30 anos, Moore jamais havia pensado em abandonar a cidade operária de Flint (Michigan), onde morava desde que nasceu. Como a maioria de seus amigos de infância, ele não fez faculdade e começou a trabalhar cedo nas fábricas da região. Aos 22 anos, Moore fundou o "Flint Voice" jornal opinativo que se tornou uma das principais publicações alternativas de Michigan. Dez anos depois, deixou o "Flint Voice" para ser editor da "Mother Jones" revista ligada a grupos de esquerda e uma das mais importantes do país. Mas desde os 18 anos que ele faz barulho. "Fui eleito para representar a comunidade junto à Secretaria de Educação em 1972. Foi a primeira vez que alguém tão jovem ocupou um posto como este na história dos EUA", contou. A decisão de trocar o jornalismo impresso pelo cinema e TV aconteceu em 1986. Ele havia sido demitido da "Mother Jones" e passava os dias em casa quando viu pela TV uma entrevista de Roger Smith, presidente da fábrica de automóveis General Motors. Smith estava anunciando novas demissões e Moore teve a idéia de fazer um documentário para mostrar a ele os prejuízos que o fechamento de uma das fábricas da GM havia causado em Flint. "Havia tentado entrevistar Smith milhares de vezes, mas ele nunca aceitava. Achei que se fizesse um filme mostrando o que aconteceu em Flint, poderia chamar atenção. Mas não queria nada dramático. Sabia desde o início que teria que usar muita ironia e sarcasmo para ser ouvido." Em 89, três anos depois da entrevista, Moore lançava "Roger and Me", documentário que conseguiu levar mais público ao cinema em toda a história dos EUA. "Na época não havia percebido, mas quando fiz 'Roger and Me' criei um novo gênero de filme que é justamente a fusão do documentário com o humor", afirmou. O filme, que custou US$ 250 mil para ser produzido, gerou lucro de mais de US$ 30 milhões. Embalado pelo sucesso de "Roger and Me", Moore se mudou para Nova York em 91. No ano seguinte, produziu seu segundo longa, a comédia "Canadian Bacon", último filme estrelado por John Candy antes de sua morte. O filme fracassou nas bilheterias, mas Moore já havia transformado seu nome em grife. Por isso, no início de 1993, ele recebeu convites da NBC e da Tri Star Television para tentar reproduzir na TV a mistura de documentário e humor que havia criado em "Roger and Me". "Quando me ligaram pela primeira vez, achei que era engano. Imaginei que eles deveriam estar procurando Roger Moore (ex-007)." Hoje, Michael Moore é contratado de outra TV, a Fox. Mas seu programa está suspenso por tempo indeterminado. Os 17 episódios já produzidos do "TV Nation" deverão ser lançados em vídeo nos EUA até o fim de 96. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Moore concedeu à Folha, de seu escritório em Nova York. * Folha - "TV Nation" foi suspenso pela NBC e agora pela Fox. Seu relacionamento com a cúpula das emissoras de TV é problemático? Michael Moore - Extremamente. Vivo lutando para não ser censurado, nunca tenho sossego. Folha - Por que o programa foi suspenso dessa vez? Moore - A Fox distribuiu um comunicado oficial afirmando que deixaria de exibir "TV Nation" porque a audiência estava caindo. Isso é mentira. Eles ficaram cansados de brigar comigo e resolveram nos colocar na geladeira. Folha - Se a Fox decidir cortar o programa o que você fará? Moore - Já tenho convite de pelo menos outras três emissoras para reestrear o "TV Nation" em junho. Continuar com o programa agora é uma questão de honra. Folha - Você sabia que "TV Nation" é transmitido pela TV a cabo no Brasil? Moore - Não sabia, mas acho que o programa fará sucesso em qualquer lugar porque os temas que abordo são de interesse mundial. Desemprego, racismo, eutanásia e políticos retrógrados existem em todos os cantos. Folha - É você quem escreve todos os roteiros do programa? Moore - Não, trabalho com cinco amigos de escola, todos de Flint. Mas 60% das idéias são originalmente minhas. Folha - "TV Nation" é um documentário. Mas você nunca se preocupa em ser imparcial... Moore - Porque essa história de objetividade jornalística é besteira. A imprensa nunca foi imparcial, nem nunca será. Mas a mídia tradicional fica buscando esse mito. É hipocrisia pura. Folha - A imprensa dos EUA se refere a você como um diretor esquerdista. O rótulo incomoda? Moore - Não. Hoje é tão fora de moda ser considerado de esquerda que eu acho um elogio para mim. Folha - Apesar de a esquerda estar fora de moda, "TV Nation" tem uma legião de seguidores. Moore - Pois é. Talvez a direita esteja mais fora de moda ainda. Folha - Você já tem candidato a presidente? Moore - Não. Só sei que jamais votaria em Bob Dole (pré-candidato do Partido Republicano). Ele não tem o menor senso de humor e não confio em gente mal-humorada. O público também não. Tenho certeza que ele vai perder e o mal humor será um fator determinante. Pode escrever o que estou dizendo. Próximo Texto: Sarcasmo divide críticos dos EUA Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |