São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 1996
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Um melô de compasso

JOSÉ SARNEY

O presidente Fernando Henrique Cardoso está bom de capoeira. Ninguém sabia dessas suas virtudes baianas. Mas a verdade é que nesta semana ele aplicou um golpe no PT, com todas as perícias de consagrado capoeirista. Aplicou o chamado "melô de compasso". A perna vai lá no alto e depois vem a rasteira.
Aí pela década dos 60, quando os partidos socialistas ou social-democratas (termo sobre o qual Bobbio diz que vamos esgotar a ciência política sem saber o que ele significa) tomaram conta dos governos da Europa, a sistemática da arregimentação partidária passava sempre pela necessidade de cada partido ter a sua central sindical. Assim, aliava-se o movimento de reivindicação dos trabalhadores a um elo político.
No Brasil, a tradição de Vargas, que significou um atraso extraordinário para o movimento sindical, era o sindicalismo como um braço do governo. A aliança não era com partidos e sim com o próprio governo, que se encarregava de aportar-lhe recursos, apoio, cargos na administração pública e até um ministério.
Daí nasceu o pelego, terreno que definia o sindicalista de fancaria. Esse modelo foi tão longe que atingiu as classes patronais, existindo mesmo os "pelegos patronais".
Com a reabertura democrática, antes dela mesma, agindo no terreno difuso da falta de lei, começaram a se formar centrais sindicais no Brasil, no estilo europeu, isto é, central sindical de um partido político. Aí surge a CUT, cuja legalização só veio a ocorrer em meu governo, quando dei liberdade total aos sindicatos e legalizei suas centrais.
A CUT era tida pelo regime anterior como o olho do furacão grevista, onde se geravam todas as paralisações. Ela tinha mais organização do que o PT e, por isso mesmo, servia mais ao partido do que o partido a ela.
Hoje, no mundo inteiro, a tendência é desatrelar as centrais sindicais dos partidos. Elas não podem servir a dois senhores: sentimento apaixonado de interesses eleitorais e as reivindicações da classe operária na busca de conquistas concretas.
Mas o Brasil, que sempre vai distante da história, continuou com o sistema das centrais sindicais, braço de partidos ou braços do governo. Será que isso está mudando?
O acordo CUT e FHC é uma manobra política ou é o início da tendência mundial de afastar o movimento sindical da escravidão de um partido político? De qualquer maneira, é um fato novo na política brasileira de grande significação.
A CUT não é mais só o PT. E o PT? Passa a ser mais o partido das reivindicações dos funcionários públicos que dos trabalhadores? Até onde o presidente Vicentinho está com o comando na mão e que delegação ele tem para procurar seus próprios rumos?
A verdade é que o acordo dos trabalhadores com o governo foi benéfico, uma vez que afastou uma emenda da Previdência ao gosto da extrema-direita, achando que se deve liquidar logo com o Estado do Bem-Estar e implantar as leis de mercado, morra quem morrer.
Essas mudanças têm de ser feitas de maneira consensual, de acordo com a sociedade, no diálogo, no entendimento. Foi um golpe bem dado pelo presidente Fernando Henrique.
Resta saber se o PT vai aceitar viver sem essa sustentação básica para sua militância, e sair vítima de um "melô de compasso", dado por FHC, ao tradicional estilo baiano.

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