São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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Outros mundos

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Enquanto neste cantinho da Terra Vicentinho e FHC fazem acordo sobre a Previdência, olhos mais compridos estão voltados para o céu.
Imagens de mais de 1.500 galáxias, obtidas pelo telescópio orbital Hubble, permitem pela primeira vez que o homem veja o Universo apenas 1 bilhão de anos depois de sua formação.
Para atingir o telescópio, a luz das galáxias -que viria de um momento próximo ao "big bang"- viajou entre 10 bilhões e 13 bilhões de anos.
As fronteiras cósmicas ultrapassam os limites imaginados até aqui. O número de galáxias é muito maior. Diante da imensidão universal, somos ainda mais insignificantes do que pensávamos.
Mas isso aumenta as chances de que não estejamos sozinhos, esses seres microscópicos surgidos há alguns milhares de anos na superfície do planeta azul.
Cientistas informaram, ao longo da semana, que há, comprovadamente, mais dois planetas fora do Sistema Solar. Antes só havia sido demonstrada a existência de um -em outubro do ano passado, os suíços Michael Mayor e Didier Queloz anunciaram a descoberta do astro, orbitando a estrela 51 da constelação de Pégaso.
Os dois novos planetas até que não estão tão distantes assim, quando se pensa nas galáxias fotografadas pelo Hubble: encontram-se num raio de cerca de 40 anos-luz da Terra.
Um deles orbita a estrela 70 da constelação de Virgem. O outro gira em torno da estrela 47 da constelação da Ursa Maior -ambas (as estrelas) semelhantes ao sol que nos aquece.
Os dois planetas podem ter água e, dizem os excitados responsáveis pela descoberta, alguma forma de vida.
Que forma? O que haverá entre tantas estrelas, planetas, satélites, asteróides? Que seres habitarão os confins interestelares? O que a seleção natural terá produzido em mundos tão distantes? Bactérias? Abelhas? Ornitorrincos?
Podemos sonhar com vida inteligente? Guerrilheiros encapuzados sequestrando um navio no mar Negro em nome da independência da Tchetchênia? Fundamentalistas islâmicos condenando escritores à morte? Jovens morrendo no deserto para salvar o petróleo? Internet? Bandas de rock? Conjuntos de guarânia?
E qual será, afinal, o formato das sociedades interplanetárias? Como se organizam os seres de outras esferas para produzir as condições materiais da existência?
Modo de produção "asiático", com líderes carismáticos, metade homens e metade crocodilos? Feudalismo europeu? Capitalismo liberal clássico? Imagine até onde podem ir as idéias fora do lugar...
Ou terá o comunismo triunfado no cosmos, como supôs o lunático trotskista-intergaláctico J.P. Posadas? Estaríamos prestes a descobrir que o sistema de Marx era, literalmente, universal? O materialismo dialético e histórico será salvo pelas estrelas?
Não creio. Mais provavelmente as galáxias já terão superado essa fase infantil, esse espirro igualitarista e cientificista que sacudiu a Terra no limiar do século 20, muito depois da extinção dos dinossauros.
Deve ser o neoliberalismo, com certeza, o modelo hegemônico. O mercado, a concorrência, o Estado mínimo e a lei da oferta e da procura regulam tudo -por que não a harmonia do Universo? Vincentinho e FHC, portanto, devem estar certos. Em plena sintonia com o cosmos.

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