São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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As estimativas do crescimento da economia

PAULO YOKOTA; EDUARDO FIGUEIREDO DE FREITAS

Agricultura foi sacrificada para contribuir com a estabilidade da cesta básica
PAULO YOKOTA e EDUARDO FIGUEIREDO DE FREITAS
No início do ano costuma-se publicar as estimativas preliminares de crescimento do PIB brasileiro. A interpretação correta dessas estimativas exige certos cuidados. Elas, regra geral, utilizam os índices de produto real da Fundação IBGE.
Metodologicamente, essas estimativas utilizam índices de quantidade com base encadeada, dos tipos Laspeyres e Paasche, que não captam totalmente as alterações dos preços relativos. E essas foram significativas em 1995, porque os preços agrícolas cresceram bem menos que a média, e o câmbio valorizou-se.
Assim, apesar de haver um razoável consenso de que 1995 foi um dos piores anos para a agricultura, quando sua renda real sofreu forte queda, estimada em cerca de 10%, o seu produto real deverá indicar um significativo crescimento. Como a safra de grãos apresentou um aumento quantitativo, quando comparada com a do ano anterior, as estimativas preliminares informam que o produto real da agricultura cresceu aproximadamente 5,5% em 1995.
Como a política governamental valorizou o câmbio, e a importação de produtos subsidiados na origem foi autorizada, com financiamento externo e juros razoáveis, os preços internos dos produtos agrícolas foram muito desfavoráveis para os produtores. E as autoridades não honraram os preços mínimos. Assim, a agricultura foi sacrificada para contribuir com a estabilidade da cesta básica, aspecto fundamental para a manutenção do prestígio do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Estatisticamente, esse crescimento do produto real da agricultura contribuirá para apresentar um aumento do PIB brasileiro de 1995. Na realidade, a economia brasileira ficou desaquecida, principalmente no segundo semestre, não só pela elevação dos juros e restrições impostas ao crédito, como pelo quadro recessivo que se estendeu para a economia urbana a partir do meio rural.
Essa tem sido a tendência histórica do comportamento da economia brasileira. Um bom ano agrícola estimula, no interior do país, a demanda, não só de tratores e equipamentos agrícolas, como de automóveis, eletrodomésticos, eletrônicos etc. Essa ativação da economia no interior provoca um movimento ascendente nas atividades industriais, comerciais e de serviços nos grandes centros urbanos. O mesmo acontece na situação inversa.
Uma outra alternativa de preços relativos ocorreu na economia brasileira com a valorização cambial e abertura maior das importações. A indústria automobilística anunciou uma produção recorde, que cresceu 3,4% em 1995, em relação ao ano anterior. E informa que seus preços finais cresceram menos do que a inflação média da economia. Fenômeno semelhante teria ocorrido com as indústrias elétrico-eletrônica, de máquinas e equipamentos, têxteis (considerando inclusive as malharias e confecções) e químicas, entre outras.
A simples utilização dos dados de produção e vendas finais distorce a realidade econômica do que ocorreu nesses setores. Ainda que tenham registrado algumas reestruturações, terceirizações e aumentos de produtividade, o fato mais marcante foi a alteração do coeficiente de importação desses setores. Ou seja, a parcela de matérias-primas, peças e componentes, além de semi-acabados importados, aumentou sensivelmente, quando comparada percentualmente com a produção final.
Assim, o emprego da mão-de-obra nesses setores diminuiu significativamente, contribuindo para o aumento do desemprego geral. Como a concorrência de produtos finais importados não teve condições de ampliar as margens de lucro, o valor adicionado gerado por esses setores, ou seja, o montante de salários e lucros, certamente não cresceu em 1995.
Evidentemente, a manutenção das condições para o desenvolvimento econômico depende do valor adicionado gerado na economia, que é a renda real de sua população. Os meros entrepostos comerciais realizam gigantescos volumes de transações, mas não apresentam setores básicos e intermediários estruturados, geradores de emprego e renda.
A redução de importantes segmentos da produção de autopeças, componentes, matérias-primas e semi-acabados representa custos demasiadamente altos e desnecessários para a manutenção da estabilidade monetária. Indicadores do aumento de consumo final, principalmente com a prática de um câmbio valorizado, dão a impressão de que existem autoridades que acreditam na possibilidade de manutenção de uma economia só de consumidores, sem os desagradáveis encargos da produção. O limite de financiamento externo para tal aventura é evidente.
O aspecto positivo que deve ser apontado é que, com a importação, a redução da margem de lucro dos produtores está representando um aumento da renda real dos consumidores, que acabam por demandar outros produtos, principalmente os de consumo popular, fazendo com que haja dúvidas sobre o resultado líquido do ponto de vista macroeconômico. É um consolo para os que desaparecerem no processo de ajustamento, que certamente poderia ser menos doloroso.
Há informações sobre iniciativas no sentido de aperfeiçoamento na metodologia do cálculo da contabilidade nacional. Essa necessidade é marcante, pois o efeito ilusório do aumento quantitativo deve ter um sentido inverso em 1996, quando os novos dados serão comparados com uma base elevada, a de 1995.
Assim, seria evitado o problema representado por uma safra agrícola quantitativamente inferior à do ano anterior, mas que certamente será compensada por uma recuperação dos preços, proporcionando um melhor nível de renda real para o setor rural.
No segmento industrial, as iniciativas como a da indústria automobilística podem reverter o processo, à custa de uma elevação brutal da proteção efetiva na tarifa de importação, com a mudança total da política de abertura externa, e retirando do consumidor os benefícios que estavam sendo proporcionados.
O que pode ser questionado é o nível de proteção efetiva, superior ao do início do processo de abertura no governo Collor, num setor que está introduzindo tecnologia já amortizada em seus países de origem, com impactos maiores sobre o consumo do que sobre a produção, principalmente porque os benefícios serão mínimos para os produtores de componentes.
Há uma acentuada preocupação com dados que impressionam a opinião pública, mas cujos efeitos econômicos líquidos são questionáveis.

PAULO YOKOTA, 57, economista, é professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo). Foi presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de 1979 a 85, e diretor do Banco Central (1971-74).
EDUARDO FIGUEIREDO DE FREITAS, 27, economista, é professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).

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