São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
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'Governo é paternalista', diz empresário

PATRÍCIA TRUDES DA VEIGA
EDITORA DE EMPREGOS

Cinco anos depois de fundar a CP Eletrônica S.A., em 1982, o engenheiro Carlos Roberto Pôrto, 40, decidiu implantar na empresa um sistema de participação nos lucros ou resultados. Deu certo.
Em 1994, seus 92 funcionários receberam 15,5 salários -a CP crescia 100% e passava de US$ 2,5 milhões para US$ 5 milhões. Em 95, foram 14,75 salários.
Em tempo recorde, a CP obteve a certificação máxima de qualidade (ISO 9002 e ISO 9001) no setor -fabricação de produtos de sistemas de energia para informática.
"O sucesso de qualquer empreendimento depende do desempenho dos funcionários", reconhece Pôrto, defensor da participação nos lucros e resultados, mas crítico da MP (Medida Provisória) 1.239, que regulamenta o sistema: "Ela é paternalista", afirma.
Para o conselheiro da Fiergs (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul) e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), "as empresas que não têm seus funcionários lutando por ela, de corpo e alma, não são competitivas e acabarão sucumbindo". A seguir, alguns trechos de sua entrevista à Folha.
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Folha - A MP tem falhas?
Carlos Roberto Pôrto -Várias. A principal é restringir o pagamento dos lucros ou resultados a uma frequência mínima de seis meses. O governo não pensou nas empresas que tinham seu plano implantado. Na CP, por exemplo, ele era pago mensalmente.
Folha - A MP 1.239 foi uma medida política?
Pôrto -Sem dúvida. A sociedade não foi ouvida. Foi uma decisão de gabinete, às pressas, no final do governo do Itamar Franco. Ele quis deixar uma medida simpática.
A MP tem caráter impositivo. Todas as empresas são obrigadas a fazer participação nos lucros ou resultados. Se fosse facultativa, haveria um processo de luta dos funcionários para obter a participação, e as empresas optariam por dar ou não.
Basta olhar para o mercado mundial: as empresas que não têm seus funcionários lutando por ela, de corpo e alma, não estão competitivas e acabarão sucumbindo.
Folha - O governo foi paternalista na MP 1.239?
Pôrto -Mais uma vez o governo olha para empresários e empregados como crianças: 'Vamos tutelá-los porque eles não sabem fazer'. É o eterno paternalismo.
Defendo e pratico a participação. Mas o governo tirou a luta por conseguir. O funcionário passa a olhar passivamente: 'Bom, eu tenho de receber, então a empresa vai ter de me dar'. E pronto.
Folha - Quais as vantagens de compartilhar lucros/resultados?
Pôrto -O funcionário precisa estar motivado para o trabalho e para a empresa obter ganho, lucro.
Folha - Não houve desconfiança dos funcionários na implantação do sistema de participação?
Pôrto -E como! A gente mostrava as idéias: 'Olha, vocês vão participar, receber um adicional se se esforçarem mais, se forem mais produtivos, trabalharem com menos perdas (material e tempo)'.
A reação foi tipo: 'Que será que esse empresário está querendo fazer para passar a perna na gente'?
Folha - Como os funcionários foram convencidos?
Pôrto -Essa negociação ganha-ganha não está disseminada culturalmente. Para que o empresário ganhe, não é necessário que o funcionário perca. Para que uma empresa ganhe, não é preciso que sua concorrente perca. O mercado pode crescer, e as duas ganharem.
É preciso jogar aberto com os funcionários, praticar o discurso. Primeiro, é necessário formar uma equipe que saiba discutir os problemas internos da empresa de forma positiva, que pense no bem global. É difícil, leva anos.
Folha - E investimento?
Pôrto -Muito. Só para obter o ISO 9002, investimos US$ 150 mil em novos equipamentos, treinamento e consultoria.
Folha - Qual o segredo para obter o ISO em tempo recorde?
Pôrto -Conversar com os funcionários. Mostrar os benefícios que a empresa terá com a qualidade total e que, evidentemente, resultarão em ganho para todos.
Folha - A decisão de obter o ISO pode ser só do empresário?
Pôrto -De forma alguma. É preciso engajar todos os funcionários. É fundamental ter coragem de mostrar a cara para eles. Um líder empresarial tem de conversar, mostrar quais são seus objetivos. Não é só publicar no jornalzinho da empresa e pronto. Não dá certo.

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