São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Decisão estéril

Um projeto de lei para um problema bastante sério de saúde pública recebe dois pareceres contraditórios de técnicos do Ministério da Saúde. O titular da pasta, cabe lembrar, não teve nem mesmo o devido acesso ao material produzido por seus subordinados, que acabou indo parar diretamente na mesa do presidente da República. Este, por sua vez, abraçou, sabe-se lá por que motivo, uma das teses e decidiu vetar os artigos que dispunham sobre a esterilização voluntária de homens e mulheres.
Tendo percebido que errara em sua decisão -num tema que, aliás, deveria ser-lhe de todo familiar, dada a sua sólida formação sociológica, o que inclui conhecimentos de demografia-, o próprio presidente Fernando Henrique pediu ao Congresso que derrubasse seus vetos.
Há que se louvar, no episódio, que o presidente teve a humildade de reconhecer seu erro, mas nada desculpa a falha da burocracia. Como é possível que um projeto aprovado pelo Congresso receba dois pareceres diversos de um mesmo ministério, e o próprio titular da pasta não tenha tido ocasião de opinar? Como explicar que FHC, em cujo círculo de relações estão alguns dos maiores especialistas do mundo na intricada questão da reprodução humana, tenha descuidadamente assinado vetos que depois reconheceria errôneos? Enfim, como é possível que uma burocracia cega e indisciplinada acabe sendo a instância que toma de fato decisões vitais para o país?
Tratando-se de um tema não desconhecido do presidente, a forte sensação de insegurança em torno de todas as demais decisões governamentais torna-se ainda mais patente e preocupante.
O assunto da esterilização é inegavelmente complexo porém extremamente importante não só para futuro do país como um todo como também para o futuro da mulher ou do casal em particular. Essa consideração torna ainda mais lamentável a possibilidade de que sejam tomadas decisões que simplesmente brotam de uma estulta burocracia sobre a qual ninguém parece exercer controle algum.

Texto Anterior: A sociedade presente
Próximo Texto: Sanha publicitária
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.