São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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Uma armadilha a desarmar

CELSO PINTO

A desaceleração da economia e o aumento do desemprego nos últimos meses fizeram ressurgir, discretamente, em Brasília, o tema tabu da política cambial.
Ao contrário do que aconteceu no ano passado, quando a mudança no câmbio veio empurrada por uma crise aguda no balanço de pagamentos, desta vez as contas externas estão em paz. O que incomoda é o receio de amarrar a economia numa espécie de armadilha de baixo crescimento. O que, traduzido em linguagem política, significaria deixar o país patinar num cenário medíocre.
Frear o crescimento em meio a um esforço para reduzir a inflação mensal de 50% para 1% é um custo razoável a ser pago. Desde que seja temporário. É preciso que haja luz no final do túnel da desaceleração -e que esta luz combine com os movimentos do calendário político.
A forte retração na economia no ano passado, obtida por meio de juros estratosféricos, conseguiu conter o déficit externo em conta corrente em cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Não é o ideal, mas parece manejável, se o fluxo de capitais externos continuar generoso.
O problema é saber o que aconteceria com as contas externas se o crescimento passasse dos medíocres 2% a 3% projetados para este ano pelos economistas fora do governo, para algo mais substantivo. O desempenho decepcionante das exportações no ano passado, que cresceram apenas 6,8% em valor e caíram em quantidade, indica uma falta de dinamismo pouco alentador. Como sustentar o inevitável aumento das importações que acompanharia uma retomada mais vigorosa da economia?
Acelerar o câmbio, aumentando a remuneração do exportador e encarecendo o produto importado é uma tentação inevitável, mas pode ser perigosa. Se a mudança for grande demais, pode virar inflação. Se for muito pequena, pode ser irrelevante. Nos dois casos, uma mudança de regras na política cambial tenderia a criar insegurança e poderia custar caro em termos de credibilidade.
Como a percepção geral é que o governo não faria nada que colocasse em risco a inflação, que é seu grande trunfo, nove entre dez instituições financeiras descartam hoje qualquer mudança no câmbio. A aposta é que o Banco Central deverá continuar com pequenas desvalorizações erráticas, mas balizadas pela variação dos preços por atacado.
Esta, aliás, continua sendo a inabalável posição do presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, e de seu diretor da Área Externa, Gustavo Franco. Ambos imaginam uma combinação ideal, este ano, entre uma gradual redução dos juros ajudando a levar a uma gradual aceleração do crescimento, sem impedir o acúmulo de um razoável saldo na balança comercial. Em suma, volta-se a crescer, sem riscos de uma crise nas contas externas.
Este tipo de aposta só faz sentido a médio prazo, contudo, se o governo estiver convencido de duas hipóteses. Primeiro, que será possível compensar a falta de dinamismo nas exportações pela redução nos custos do exportador -o famoso "custo Brasil". Sem mais exportações não há como ampliar as importações necessárias ao crescimento. Segundo, que, num prazo razoável, os custos dos exportadores não precisarão de uma ajuda extra do câmbio, o que exigiria que as taxas de inflação no Brasil caíssem para patamares internacionais, de um dígito anual.
Aí começam as dúvidas. Se não for possível cortar o "custo Brasil" tão rápido, e for preciso dar uma ajudazinha extra no câmbio, melhor seria fazê-lo agora, que a inflação está calma e a demanda fraca.
Por razões óbvias, ninguém no governo pode assumir publicamente esta discussão. Olhando o passado, até os ascensoristas da Secretaria do Planejamento sabem que o ministro José Serra é um crítico de primeira hora da política cambial de Gustavo Franco. Uma novidade recente é que já existem hereges no prédio da Fazenda.
Como os riscos de mudar o câmbio são muitos, é forte a tendência pela inércia ou por mudanças sutis e graduais. Deixar, por exemplo, "escorregar" o câmbio, ou seja, desvalorizar-se gradualmente acima da taxa de inflação. Se isso viesse acompanhado de um movimento progressivo de redução das taxas de juros, seria visto como algo coerente pelos investidores externos, mesmo desestimulando o ingresso de dólares. Qualquer mudança de câmbio, de todo modo, afetaria o custo dos empréstimos da legião de empresas que fugiram dos altos juros internos, buscando dinheiro no mercado internacional.
O mercado, que costuma ter as antenas mais sensíveis do país, até agora não detectou ruídos na zona cambial. Com a exceção de um agressivo banco de investimentos que, por via das dúvidas, decidiu zerar, ao menos temporariamente, suas posições em dólares.

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