São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Palestinos já aceitam Israel, diz Arafat

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GAZA

Iasser Arafat, eleito sábado presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), propôs para Jerusalém uma solução como Roma, a capital da Itália, que ao mesmo tempo abriga o Vaticano, um Estado católico.
A proposta foi exposta na noite de terça-feira, na primeira entrevista que o líder palestino de 66 anos concede desde o histórico pleito de sábado.
A questão de Jerusalém é a mais espinhosa a ser discutida entre palestinos e israelenses a partir de maio, para definir o status definitivo do território palestino.
Israel quer Jerusalém como sua capital e como cidade unificada. Os palestinos, como Arafat, querem estabelecer sua capital na parte oriental, habitada predominantemente por árabes.
Em nenhum momento, Arafat deu uma resposta concreta ao mais imediato obstáculo ao processo de paz, qual seja a revogação ou não da cláusula da Convenção palestina que pede a destruição de Israel.
O governo israelense diz que se esse item não for revogado nos próximos dois meses o processo de paz será interrompido.
O único organismo autorizado a fazê-lo é o CNP (Conselho Nacional Palestino), um conglomerado que Shaukat Mustafa, diretor-geral do gabinete de Arafat, diz ter 480 membros. A eles se somarão os 88 membros do Conselho de Autonomia.
Arafat queixou-se primeiro de que Israel promete, mas não está dando permissão para que os membros do CNP exilados (calcula-se que sejam cem) voltem aos territórios palestinos e possam, assim, participar da votação.
Depois, diz que a questão está ultrapassada, já que os palestinos aceitaram a tese dos "dois Estados" (Israel e Palestina). Mas, em momento algum, garantiu que a cláusula será revogada.
*
Pergunta - O sr. pode dar sua garantia pessoal de que a Carta palestina será mudada? E como o sr. imagina a mudança: por meio de uma emenda, de uma nova Convenção ou, talvez, de uma nova Constituição?
Iasser Arafat - Na realidade, nossa Constituição é como a norte-americana. Nós não podemos mudá-la, podemos emendá-la.
Nós já começamos a fazer emendas na nossa. Em 1988, fizemos a mudança mais importante, na qual falamos da solução "dois Estados". Foi depois disso que os EUA abriram o diálogo com a OLP. A segunda importante mudança em nossa Carta foi depois da chamada "iniciativa Bush", pela qual aceitamos participar da Conferência de Madri (1991) e abrir o diálogo com os israelenses.
O que nós precisamos, na realidade, é confirmar de novo esses itens principais e acrescentar a eles o que foi acertado em Oslo 1 e Oslo 2 (acordos com Israel).
Pergunta - Mas o sr. acredita que nos dois meses, que é o prazo dado por Israel, será possível fazer a modificação?
Arafat - Depende de como os israelenses vão lidar com as permissões para que os membros do CNP venham. Até agora, muitos deles não receberam a permissão.
Pergunta - O sr. acha que os dois terços necessários para cancelar os itens pedindo a destruição de Israel...
Arafat - Isso já foi cancelado, quando ocorreu a aceitação pelo CNP, na reunião de Argel (1988), da solução "dois Estados". O que necessitamos é apenas confirmar essa resolução de aceitar o acordo de Washington.
Pergunta - O sr. acha que, se Israel conceder as permissões, essa questão estará resolvida até maio, quando devem se iniciar as negociações sobre o status definitivo dos palestinos?
Arafat - Antes de mais nada, temos de confirmar o que foi aceito em 1988 e em 1991. Ninguém dirá não ao que foi decidido então.
Ninguém dirá não ao que foi aprovado pelo nosso Conselho Central a respeito de Oslo 1. O que necessitamos agora é a aprovação para Oslo 2 e Washington. Trata-se de aceitar uma mudança de direito, e não apenas de fato.
Pergunta - Em relação a Jerusalém, que todos sabem ser uma questão extremamente sensível para ambas as partes, o sr. teria alguma solução eficiente a propor?
Arafat - Se há vontade, haverá um caminho. Os que tiveram a capacidade de chegar ao acordo de Oslo, estou certo de que encontrarão os meios de resolver todos os problemas, incluindo Jerusalém.
Eu não tenho, no momento, algo claro a propor. Mas temos certos exemplos no mundo. Roma é a capital da Itália e também a capital do Vaticano. Temos certas idéias, mas, sempre, sem um Muro de Berlim.
Pergunta - Houve conversações secretas entre palestinos e israelenses sobre Jerusalém?
Arafat - Conversas secretas, não, mas seminários envolvendo acadêmicos das duas partes.
Pergunta - O Hamas (Movimento de Resistência Islâmico) não participou das eleições palestinas...
Arafat - Participou, sim, e elegeu cinco membros do Conselho, três na cidade de Gaza, um em um distrito de Gaza Norte e outro em Nablus.
Pergunta - O sr. diria que o Hamas não participou formalmente da eleição por medo de que o pleito mostraria que ele não tem respaldo da população palestina?
Arafat - Não. Suas lideranças em Amã e Damasco foram muito duras durante as discussões que com elas tivemos no Egito. A delegação do Hamas nos territórios palestinos foi muito flexível.
Pergunta - Como a nova legitimidade democrática conferida pelas eleições afetará as relações com os radicais, como o Hamas, e com Israel?
Arafat - Isso vai fortalecer mais e mais o processo de paz, porque há uma clara e legítima autorização para os acordos de Oslo. E a participação de uma porção de países, por meio da Conferência Islâmica, de países africanos, do Movimento dos Não-Alinhados, de japoneses, norte-americanos, europeus e outros como observadores nas eleições dá uma demonstração de que este não é um assunto local. A questão Israel-palestinos é um assunto internacional.
Quanto ao Hamas, temos de estar abertos a todas as oposições. E temos de nos esforçar, no diálogo com elas, para convencê-las a participar do processo de paz.
Como exemplo, lhe dou o que foi feito no Cairo: depois de conversas com o Hamas, eles participaram das eleições. Onze deles se inscreveram, embora como independentes, mas eram seus líderes. E, como já lhes disse, cinco deles foram eleitos.
Henry Sobel - Como rabino, tenho compaixão por todas as pessoas que sofrem. Posso levar uma palavra sua de conforto tanto à família de Lamia Maruf (brasileira palestina condenada à prisão perpétua sob acusação de participação na morte de um soldado) como à família israelense que foi vítima do crime?
Arafat - Foi mencionado nos acordos que todas as mulheres seriam libertadas. É uma das promessas que têm de ser acompanhadas. Está escrito nos acordo que as mulheres seriam libertadas, mas o presidente Ezer Weisman está hesitando em libertar duas delas.
Sobel - Posso abençoá-lo?
Arafat - Por favor.
Sobel - Que Deus lhe dê força, moderação e determinação em favor da causa que nos une. Deus o abençoe e o proteja.

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