São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Tanto faz

OTAVIO FRIAS FILHO

Para que serve o PMDB? No meio de tantas emendas e projetos de lei, alguém poderia apresentar a proposta de dissolução imediata desse partido, a bem do serviço público: seria aplaudido em pé. O PMDB ilustra, da forma mais paradigmática possível, a história de qualquer partido, e em última análise de qualquer organização, do nascimento à morte.
Ele surgiu em 1966, quando o governo militar teve a idéia, um tanto extravagante em se tratando de uma ditadura, de dissolver a penca de partidos e permitir que eles se reagrupassem em apenas dois, um pró e outro contra. Tradução de uma última veleidade democrática por parte dos militares, essa idéia frutificou de maneira inesperada e maravilhosa no então MDB.
Afastado de todo contágio importante com o poder, o MDB se tornou um partido de teses; seus dirigentes, como num filme de Costa-Gavras, eram advogados idealistas que procuravam organizar a resistência pública contra a tirania. Era um partido negativo, no sentido de que expressava um "não" a tudo o que estava sendo feito pelas autoridades.
Essa negatividade, no entanto, tinha um caráter universal ao afirmar direitos que eram de toda pessoa, ainda mais profundos e gerais, portanto, do que os direitos de classe ou de região. Foi quando chegou ao poder, no meio dos 80, que o PMDB mudou de vocação, o sinal se inverteu e ele se tornou o partido propositivo por excelência.
Reivindicações sociais numerosas e particulares, represadas durante 20 anos, escoaram pelo PMDB e se cristalizaram no texto da Constituição de 88. Esse foi o sentido do trabalho de Ulysses Guimarães, trabalho perdido, se não inútil, como se vê agora que ele vem sendo desfeito ponto a ponto, como o manto de Penélope, por Collor e FHC.
Então podemos dizer que o MDB começou representando a humanidade inteira, depois passou a representar grupos ou corporações, e agora representa a si próprio. É a casca de um partido, esvaziado de todo conteúdo, é uma superestrutura pendurada no ar. Mas apesar de ser extremo, o caso do PMDB não é único. Pelo contrário, a mesma coisa ocorre em todos os partidos.
Não adianta Vicentinho, PT e CUT tentarem tapar o sol com a peneira, a situação é de uma simplicidade estarrecedora. Da Bolívia à Sibéria, só existe uma fórmula de governo, no momento, em todo o mundo. Collor implantou essa fórmula a ferro e fogo, quebrando as primeiras e maiores resistências; foi devidamente imolado por isso.
Depois do interregno de Itamar, que não significou nada exceto perda de tempo, FHC consolida, tranquilamente, a obra do antecessor impedido. Todo o vento internacional sopra a seu favor, os sindicatos e os movimentos populares estão mortalmente golpeados, a opinião pública interna já aderiu ao novo tom: não é à toa que ele acha moleza governar o Brasil.
Os partidos perderam função: a própria política não tem mais importância. Não existe divergência de idéias nem "propostas alternativas", tanto faz quem está no governo porque de certa forma alcançamos o estágio da "administração das coisas". Que fiquem dois partidos, digamos, partido par e partido ímpar, a fim de garantir um mínimo de rotação nos cargos do poder, e vamos cuidar do que interessa.

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