São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Efeitos do acordo da Previdência

MAILSON DA NÓBREGA

Muito já se escreveu sobre o acordo entre o governo e as centrais sindicais em torno da reforma previdenciária. É difícil encontrar ângulo que não haja sido explorado. Por isso, o objetivo deste artigo, mais do que expor minha opinião, é assinalar o que vejo como seus mais importantes efeitos.
Sua principal consequência deveria ser econômica, dada a inviabilidade da Previdência. Nada de importante deve acontecer a respeito. Sob esse prisma, a proposta, que já era modesta, ficou mirrada. A situação continuará periclitante, um pouco menos grave.
A aposentadoria por tempo de serviço, atualmente adotada apenas por meia dúzia de países, permeou, como se sabe, a visão dos sindicalistas.
O avanço foi a aceitação de uma variante menos prejudicial: o tempo de contribuição. Desaparecerão absurdos como aposentadorias com base na contagem de tempo do serviço militar.
Ao preservar a aposentadoria especial dos professores do primeiro e segundo graus, derrotou-se o governo para agradar sindicalistas e parlamentares.
O desejo não é a rigor premiar merecidamente quem se dedica a educar os jovens, ainda que sem base atuarial. Terá falado mais alto o interesse político. É grande a força eleitoral dessa categoria.
Pior tem feito o Congresso, que reduziu muito a contribuição do projeto para resgatar a saúde financeira da Previdência. No dia mesmo em que se comemorava o acordo, prejudicou-a mais um pouco ao rejeitar a contribuição dos inativos da União. De novo, o direito adquirido foi o motivo invocado para votar contra.
Os parlamentares adoram o argumento politicamente conveniente e muitas vezes financeiramente desastroso da figura jurídica do direito adquirido, que no Brasil é quase sempre usado para justificar privilégios. Já tem emprego até no futebol. Semana passada Romário disse que o bicho é um direito adquirido e não pode ser abolido como desejam os cartolas.
O acordo com os sindicalistas pode inibir esse argumento e diminuir a ação mutiladora dos interesses políticos sobre a reforma da Previdência. Este é um grande efeito: mostrar que o apoio à reforma não vem dos chamados neoliberais. Os trabalhadores querem mudanças.
Outro efeito é evidenciar que Vicentinho está à frente do PT. Demonstrou que não é dogmático como companheiros seus de partido e da Executiva Nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Amadureceu, rendeu-se às razões melhores que as suas. Ao abandonar o radicalismo nessa área, exibiu postura comum aos líderes autênticos.
O acordo não desprestigia o Congresso ou o sistema partidário. Nas democracias de massas é habitual o entendimento entre o Executivo e segmentos da opinião pública.
Nas sociedades complexas como a brasileira, seria um erro limitar a interlocução apenas aos canais da representação parlamentar.
O efeito maior do acordo é, assim, político. Ao conquistar os trabalhadores para a tese central da proposta (a extinção de privilégios contra o país), o governo plantou sementes sadias. Mesmo que não consiga resolver agora os problemas mais urgentes da Previdência, preparou o terreno para fazê-lo mais para frente.
Os próximos governos terão melhores chances de aprofundar a reforma e salvar de vez a Previdência. Em mais um ou dois ciclos eleitorais, parlamentares melhor informados, com padrão mental mais evoluído e influenciados por uma opinião pública mais exigente oporão menor resistência à reforma.
Daí vem mais um efeito: a confirmação da dificuldade de mudar conceitos arraigados, como a crença no Estado provedor e assistencialista. Reformar requer, pois, tempo, habilidade de negociação política e paciência, notadamente quando as mudanças são empreendidas sob regime democrático.
O governo deve ter percebido, pelo andar do projeto no Congresso, que ainda não se completara a aceitação mais ampla da necessidade da reforma previdenciária. Num lance de habilidade política, pode ter transformado o risco de derrota em elemento favorável ao consenso, que nessa área será construído por etapas.
Entre comemorações e condenações ao acordo, uma lição fica para os que demandam reformas mais radicais e rápidas. Na fase que atravessamos, transformações como as das reformas administrativa, tributária e especialmente previdenciária não acontecem num estalar de dedos. Jamais surgirão um mero ato de voluntarismo político.

Texto Anterior: Filme visto; Bebidas na mesa; Guerra é guerra; Receita global; Lucro do Pontual; Ano de aquisições; Aumento de capital; Negócio fechado; Vidro reaproveitado; Dupla reciclagem; Conta atraente; Ganhos do avião; Assunto sensível; Visões distintas; Reserva de hotel; Nova agência; Gasoduto colombiano; Em dobro; Olho na ilha
Próximo Texto: Opção pelo emprego
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.