São Paulo, sábado, 27 de janeiro de 1996
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Navegação e competitividade

CLÁUDIO DÉCOURT

A marinha mercante brasileira enfrenta a mais grave crise de sua história. Uma discussão das dificuldades que levaram ao atual quadro de inviabilidade poderá apontar os rumos para a reconquista da competitividade.
O transporte marítimo desenvolveu-se a partir dos primeiros anos da década de 70. Nesse anos, navios de registro brasileiro tiveram a preferência no transporte de cargas compradas pelo governo ou adquiridas com vantagens fiscais.
Os financiamentos e prazos favoráveis do Fundo de Marinha Mercante (FMM) contribuíram para que a marinha mercante crescesse quase sete vezes em 20 anos e para que a construção naval ocupasse o segundo lugar no mundo em carteira de encomendas no final dos anos 70.
No princípio dos anos 90, sem levar em conta as especificidades do setor, o governo abandonou a navegação à própria sorte. A proteção da bandeira brasileira desapareceu. O FMM, debilitado, se viu sem recursos até para a renovação da frota.
Os elevados encargos trabalhistas e as despesas decorrentes dos monopólios de seguros e combustíveis completaram o cenário de deterioração.
Como resultado, a participação dos navios de bandeira brasileira nos tráfegos internacionais despencou para índices inferiores aos registrados em 1957, quando foi introduzida a política de marinha mercante.
Os fretes marítimos e os afretamentos de navios necessários ao comércio exterior brasileiro remontam, atualmente, a US$ 5 bilhões. Isso equivale a 2,8% do total mundial. Até o ano passado, a frota mercante brasileira era de 8,4 milhões de TPB (tonelagem de porte bruto). Isso representava tão-somente 1,27% do total mundial. Apenas a título de comparação, a frota mercante liberiana é de 92 milhões de TPB (13,82% do total) e a panamenha de 83 milhões de TPB (12,52% do total).
Isso não é tudo. Nos últimos anos, o déficit na balança de serviços não pára de crescer por conta dos gastos de divisas com fretes marítimos e afretamentos. Eles constituem o segundo item de despesas. Perdem apenas para os juros da dívida externa, e produzem déficits anuais superiores a US$ 4 bilhões.
No ano passado, o país prendeu a respiração com os números do déficit na balança comercial. É curioso pensar que o governo confere tratamentos distintos a uma mesma dificuldade (a evasão de divisas).
O aumento das alíquotas de importação reviveu a política de reserva de mercado para preservar a indústria automobilística. Nada, porém, é feito para evitar o rombo da balança de serviços.
Atualmente, a participação de navios de bandeira brasileira nos fretes gerados por nosso comércio exterior é de apenas 8% e a retenção de fretes no transporte de carga geral, de 3% (foi de 33% em 1977).
É evidente que alguma coisa tem de ser feita. Há duas medidas que, integradas, podem reverter o quadro de deterioração. Ambas dependem de reformulações constitucionais.
Uma delas está na regulamentação do já emendado artigo 178, que dispõe sobre o transporte marítimo e que procura viabilizar a criação de um Registro Especial Brasileiro. As embarcações que nele se registrassem contariam (conforme previsto no projeto de lei 1.125, de 1995) com normas especiais de caráter fiscal, aduaneiro, previdenciário, trabalhista e securitário.
Para que isso se viabilize, é preciso que as reformas constitucionais permitam efetivamente o estabelecimento de "normas especiais" de caráter previdenciário e trabalhista.
É importante destacar que não há nada de extraordinário no que se propõe. Já aderiram ao segundo registro países como França, Reino Unido, Alemanha e Noruega.
Além de reproduzir as vantagens proporcionadas pela chamada "bandeira de conveniência", que propicia diminuição dos custos operacionais dos navios, ele preserva integrada numa bandeira nacional a frota mercante do país.
O que a marinha mercante deseja é recuperar a competitividade perdida. Nunca é demais repetir que não se pretende auferir vantagens ou obter favores desmedidos. Apenas igualdade de condições em relação ao que se pratica internacionalmente.
Consumado este cenário, estamos certos de que a navegação brasileira voltará a ocupar lugar de destaque no âmbito internacional. Infelizmente, isso não depende apenas da marinha mercante. É hora de o governo federal se pronunciar. As reformas constitucionais representarão, inevitavelmente, um marco para o setor.
Ou se olha com atenção para as dificuldades enfrentadas pela navegação brasileira, ou será tarde demais. O governo federal e o Congresso Nacional têm mais esta responsabilidade nas mãos em 96.

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