São Paulo, sábado, 27 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A democracia moderna exige muitos canais de negociação

LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES

Se aceitarmos que as centrais sindicais são de fato representativas dos trabalhadores brasileiros, as negociações entre elas e o governo seguramente significam um avanço nas relações entre governo e sociedade civil. Por essa razão respondi "sim".
Nas democracias de massas das sociedades contemporâneas os partidos devem conviver com outras formas de representação, com as quais frequentemente se aliam. Ocorre que os partidos representam parcelas de um eleitorado profissionalmente heterogêneo.
As relações que eles estabelecem entre si e com as autoridades governamentais são relações tipicamente políticas, sendo que o próprio governo é exercido por um partido ou um bloco de partidos.
Mas, além da representação partidária, existem outras que poderemos denominar de corporativas, envolvendo segmentos de grupos profissionais entre si e deles com o governo. Elas levam a organizações tripartites, envolvendo empresas, sindicatos e autoridades governamentais (comissões, câmaras setoriais etc.). As negociações que se efetuam nesses níveis intermedeiam interesses que muitas vezes passam ao largo do sistema partidário e do Parlamento.
Algumas vezes se alerta para o risco de que essas formas de atuação corporativas podem enfraquecer a instância típica da democracia representativa que é o Parlamento. Apesar disso, esse corporativismo que parte de baixo, da própria capacidade de organização da sociedade civil, sobrevive em países solidamente democráticos. Alguns autores o denominam de "corporativismo societal", de alta representatividade.
Mas, no caso brasileiro, cumpre mencionar alguns aspectos específicos que amenizam a minha opção pela resposta "sim". Primeiro: não temos nessas negociações exatamente um caso de corporativismo, pois o capital não esteve representado, não tendo havido, assim, as clássicas negociações tripartites.
Segundo: as centrais sindicais estão estruturadas sobre sindicatos e entidades da estrutura corporativa segundo o modelo do denominado "corporativismo estatal", estabelecido de cima, tal como os sindicatos da Portugal salazarista, da Espanha franquista, da Itália fascista e da Alemanha nacional-socialista. A maioria dos nossos sindicatos só sobrevive pela legislação, e não pelo apoio dos que dizem representar.
Assim, seu coeficiente de representatividade é pequeno, o que afeta os órgãos de cúpula, a começar pelas próprias centrais que se apóiam sobre essas associações. As centrais e algumas confederações falam em nome de "milhões" de trabalhadores, mas a proporção de sindicalizados é baixa, e sua capacidade de mobilização, pequena.
Terceiro: ainda que aceitemos que as centrais, social e politicamente, representam "milhões", elas não têm nenhuma delegação, ainda que burocrática, para negociar em nome dos trabalhadores do setor informal. Mas, aqui, para usarmos uma expressão cara aos franceses, tudo se passa como se as centrais falassem pela boca de todos os trabalhadores brasileiros. Governo, políticos e, obviamente, os dirigentes sindicais estão interessados em que se acredite que assim é na realidade.
Estabelecida a fantasia, pode-se dizer que, ao negociar diretamente com as centrais, os laços entre o governo e a sociedade civil se fortaleceram, mesmo porque também os partidos não são assim tão representativos do eleitorado.

Texto Anterior: SURPRESA DESAGRADÁVEL; RENDIMENTO GARANTIDO; O TAMANHO DA CONTA
Próximo Texto: O fio de barba do Estado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.