São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Rap ocupa espaço dos políticos na periferia

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O hiper-realismo "pauleira" do rap passou por cima de partidos e líderes comunitários na periferia das grandes cidades. O canto da "rapaziada" toma o lugar do tradicional discurso dos políticos.
Nas "quebradas" de São Paulo ou nas miseráveis cidades-satélites de Brasília, o hip-hop é o canal para temas como a lama, lobby, aborto, enchentes, bandidagem, violência, racismo e até compras superfaturadas do governo.
"Somos a consciência de plantão da periferia", diz Eazy Jay, 25, líder do Comando DMC, grupo nascido na zona sul da capital e agora residente na Cohab de Itapevi, cidade da Grande São Paulo.
Tragédias
A principal preocupação do rapper do Comando é com a memória do subúrbio. Nas suas letras estão registradas as grandes tragédias, com referência até a data exata, como a enchente de fevereiro do ano passado.
O grito do rap acima do tom dos discursos políticos teve um momento histórico na campanha eleitoral para a Presidência, em 1994.
Os petistas foram expulsos a pedradas de um comício em Campo Limpo, na zona sul da capital.
Tudo por um motivo simples demais para os jovens da platéia: eles queriam mesmo era ouvir o que tinha a dizer o grupo Racionais MCs, o maior sucesso do rap do Brasil. Os políticos não conseguiram falar.
Mano Brown, líder dos Racionais, é autor de "clássicos" do subúrbio com histórias de violência que mostram o pânico que toma conta das "quebradas" -como os rappers tratam o "Quarto Mundo" das favelas e Cohabs.
"Pânico na zona sul, quando o dia escurece só quem é de lá sabe o que acontece", grita Brown, o cronista de bairros como Capão Redondo, cujas estatísticas do crime apontam como um dos redutos mais violentos do país.
"O rap é a nova e grande forma de expressão, muito mais atraente e ligada à vida da periferia do que o falatório dos políticos", avalia Gilberto Carvalho, secretário de Comunicação do PT.
Foi a educação pela pedra. Desde o episódios da campanha eleitoral, os petistas passaram a estudar o fenômeno do rap, com quem pretendem manter o diálogo político. "Sem nenhuma pretensão de controle, estamos sempre buscando uma aliança com os grupos", diz Carvalho.
Na avaliação do petista, o rap se consolida num momento de crise da esquerda e dos partidos, das organizações populares convencionais e dos sindicatos.
Não é à toa que a CUT, ligada ao PT, tem procurado também se aliar aos rappers.
A central sindical está entre um grupo de entidades e empresas que colaborou para o lançamento do disco do Câmbio Negro, grupo do Distrito Federal que mudou recentemente para São Paulo.
O Câmbio Negro é um dos mais expressivos representantes da pancada verbal que denuncia desde os "ratos dos esgotos" da Ceilândia (DF) "aos ratos propriamente ditos" de Brasília.
X., o líder do grupo, rejeita que o grupo sirva de instrumento para qualquer partido ou entidade.
"Os políticos sempre tentam se aproveitar quando as bandas vingam e têm o respeito da população", diz X. "Hoje em dia o rap está acima deles e mantém a resistência."
Guetos
O vereador Alberto Hiar (PMDB), conhecido em São Paulo como "Turco Loco", já faz aliança com o rap e tem nos guetos ligados à música sua principal fonte de apoio. Ele ajuda grupos iniciantes de rock e rap e mantém uma "rádio pirata" para veicular os sons do subúrbio.
"O político que ignorar esses movimentos está perdido", diz o vereador. "Está mais perdido ainda aquele que tentar manipular essa moçada."
Para definir a situação e não deixar dúvidas, o grupo Athalyba & a Firma, de São Paulo, usou 89 versos com o objetivo de "estraçalhar" governantes.
São versos como estes, da música "Política": "Basta olhar que você vê a vida cívica/ deteriora tanto quanto a coisa pública".

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