São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Banalidade da violência inspira grupos

XICO SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A violência crua e banal, como em um filme do cineasta Quentin Tarantino ("Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction") é a principal fonte na qual o rap busca as suas letras.
Muitas histórias contadas, de forma direta e didática, foram testemunhadas pelos rappers na porta das suas casas.
"Sentimos na pele, mano", diz Camburão, 22, líder do grupo Pavilhão 9, um dos mais importantes de São Paulo.
"É sangue no olho mesmo", define Eazy Jay, líder do Comando MDC, outro grupo que destaca a crônica da violência que explode nas "quebradas".
Camburão circula do Grajaú (zona sul de São Paulo), onde vive, ao Ipiranga, na zona leste. Lá, manda ao ar parte da programação de uma "rádio pirata" (clandestina) que toca rap.
Além de preferir não revelar o seu nome verdadeiro, Camburão também não se deixa fotografar sem antes improvisar um pano como máscara no seu rosto.
"Por favor, preciso me cuidar, desculpe aí", diz. "Luto pela paz, mas devo me cuidar."
O Pavilhão 9 tem como a sua principal bandeira não deixar apagar a memória da chacina do Carandiru, que provocou a morte de 111 presos, em 1992.
"Homem-gabiru"
Além de testemunhas oculares da história, os rappers colhem nos jornais parte das suas letras. Como diz Mano Brown, líder dos Racionais MCs, rap é notícia.
O grupo Athalyba & a Firma, por exemplo, faz referência ao "homem-gabiru", termo que retrata as pessoas vítimas do nanismo no Nordeste brasileiro e foi tema de reportagem da Folha há quatro anos.
"O povo mais cada vez ficando cético/ gabiru será um dia milimétrico", diz a letra de "Política", do grupo Athalyba.
O didatismo é outro ponto forte do rap. Algumas letras procuram desmontar a história oficial ensinada nas escolas, como o descobrimento do Brasil e a exploração dos africanos.
O grupo Câmbio Negro, nascido nas cidades-satélites de Brasília, procura dar a sua aula em "Auto-estima".
É a história do descobrimento sem o "glamour" que o ensino oficial tenta passar.
Trata os descobridores como estupradores de índias e assassinos. "É porrada na mentira que nos contaram na escola", diz X., líder o grupo.
(X.S.)

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