São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 1996
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ONU quer taxar bolsas para financiar cidades

DANIELA CHIARETTI
DO BANCO DE DADOS

Há dois anos o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim recebeu um telefonema que o fez deixar provisoriamente família, escritório em São Paulo e um cargo público para se deslocar a Nairóbi, no Quênia. Wilheim foi convidado a preparar a última grande conferência que as Nações Unidas farão neste século, em junho, em Istambul, na Turquia. O tema -o futuro das cidades e o desenvolvimento urbano.
Como secretário-geral-adjunto da Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, o Habitat 2, ele se envolveu com o emaranhado de interesses dos 185 países da ONU na segunda edição do evento, que teve a primeira edição em 1976, no Canadá. De quebra, assiste a preparação dos oito fóruns paralelos ao Habitat 2 e que reunirão de tudo -prefeitos, ONGs, setor privado, sindicatos, pesquisadores.
Uma das grandes novidades do Habitat 2, destaca, é a inclusão de setores não-governamentais no processo decisório pela primeira vez em uma conferência da ONU. O ponto nevrálgico é o mesmo da Eco-92, no Rio de Janeiro -a origem dos recursos para que a conferência não se resuma a documentos de boas intenções.
O último round de negociações ocorre em Nova York, de 5 a 16 de fevereiro, no terceiro e último dos encontros preparatórios, os Prepcom. Uma proposta que deverá estar à mesa é das mais polêmicas: o dinheiro para financiar as cidades poderá vir da taxação internacional do mercado de capitais.
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Folha - O que já está definido para o Habitat 2?
Jorge Wilheim - No primeiro Prepcom, em Genebra, ficou definido o processo preparatório da conferência. Ele previu a criação de comitês nacionais abertos aos parceiros do governo -ou seja, aos governos locais, ao setor privado, às ONGs, aos sindicatos, fundações e parlamentares.
Na segunda reunião, em Nairóbi, em 1995, decidiu-se criar, durante o Habitat 2, o chamado Comitê dos Parceiros. Eles discutirão com os delegados os resultados de seus fóruns próprios. Um relatório de todos estes compromissos será levado ao plenário. O mecanismo permite a estes parceiros participarem do processo de negociação.
Folha - O que se pode esperar do Habitat 2?
Wilheim - São vários objetivos. O primeiro é conscientizar as sociedades que a humanidade está se urbanizando e que a partir do ano 2005 a maior parte da população do mundo estará vivendo em cidades. O futuro da civilização depende do que acontecerá nas cidades.
Folha - E os outros objetivos?
Wilheim - Mostrar que na atual fase histórica existem mudanças no modo de produzir, na concentração de renda, na tecnologia da informação.
Folha - É do que trata o Catálogo das Boas Práticas Urbanas?
Wilheim - Sim. Ele reúne hoje mais de 500 experiências, será lançado no Habitat 2 e com acesso pela Internet. Poderá ajudar um prefeito com problemas de saneamento na cidade a descobrir soluções implantadas em outro lugar.
Folha - O Observatório Global Urbano é um grande banco de dados?
Wilheim - Sim, mas com o objetivo não só de coletar, mas também interpretar indicadores, problemas e tendências urbanas nas regiões do mundo. Para isto é importante, também, uma melhoria na relação entre poder central e poder local. As políticas urbanas devem considerar a repartição de poderes e atribuições.
Folha - Quem financiará as cidades?
Wilheim - Estamos revendo os critérios de financiamento. O dinheiro não está mais onde estava. Não se pode mais contar apenas com os recursos do setor público. Estes recursos, hoje em dia, são privados. O Banco Mundial e outros não estão satisfeitos com os resultados que têm obtido. É preciso uma nova visão com novos mecanismos e parcerias.
Folha - O que será discutido em Nova York?
Wilheim - Irá se negociar o que entra e o que sai no texto da Agenda do Habitat, o documento central da conferência. Sua implementação, o Plano Global de Ação, prevê medidas para os próximos 20 anos, com destaque para os primeiros cinco anos.
Folha - Quais os pontos polêmicos?
Wilheim - É uma interpretação pessoal. Um ponto polêmico é saber de onde vem o dinheiro para financiar as cidades. No centro dessa discussão está o problema do financiamento da manutenção da paz e do desenvolvimento, que caracteriza as tarefas da ONU.
Folha - Como assim?
Wilheim - Deve constar como proposta na Agenda do Habitat uma antiga proposta de James Tobin, Prêmio Nobel de Economia em 1981. Ela consiste em taxar, uma taxa muito baixa, o mercado de capitais em todos os países.
A arrecadação seria destinada a um fundo, possivelmente conduzido e controlado pela ONU, cujos recursos seriam dedicados à preservação da paz e do desenvolvimento.
Folha - Algum país já se mostrou contrário à idéia?
Wilheim - Esta proposta ainda não foi colocada claramente. Há o temor que o fundo possa dar mais independência à ONU, o que, parece, as grandes potências querem evitar. O assunto também é polêmico porque os neoliberais ficam horrorizados quando se menciona a palavra taxa.
Folha - Esta proposta tem chances de ser aprovada?
Wilheim - Acho que sim. Ela deve aparecer em NY, ou apresentada por algum país ou pelo relatório do secretário-geral da conferência, Wally N'Dow. O que se pode aprovar agora é a decisão de se criar este fundo e encarregar alguém da ONU de projetar o seu mecanismo.
A melhor solução, acho, seria dar o controle à ONU e a um conselho de administração que reuniria os parceiros interessados em desenvolvimento urbano. Os recursos arrecadados mensalmente nas bolsas e outras operações poderiam ser depositados em uma conta nacional e aplicados em desenvolvimento urbano e habitação no próprio país.
Folha - Como as decisões do Habitat 2 podem influenciar São Paulo?
Wilheim - Pela conscientização de que estas cidades devem receber apoio do governo central para resolver seus problemas. Em segundo, que elas podem ir ao mercado e negociar empréstimos diretamente.

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