São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 1996
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Jobim ensina como alterar terra indígena

OLÍMPIO CRUZ NETO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro da Justiça, Nelson Jobim, enviou uma carta ao governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB), listando 14 áreas indígenas que estão sujeitas a contestações administrativas.
O documento é de 11 de janeiro, dois dias após a publicação, no "Diário Oficial", do decreto 1.775/96, que alterou as regras para o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas.
A medida revogou o decreto 22/91, permitindo as contestações ainda na fase administrativa de demarcação. Pelo antigo decreto, as contestações poderiam ocorrer no Judiciário, mas não em âmbito interno do Ministério da Justiça.
Por isso, a decisão final sobre a procedência das contestações administrativas será tomada pelo próprio Ministério da Justiça. As áreas do Pará listadas pelo ministro totalizam mais de 12 milhões de hectares.
A carta tem início com o ministro informando ao governador do Pará "que foi publicado no Diário Oficial" o decreto 1.775/96. Em seguida, Jobim explica que Estados, municípios e demais interessados terão prazo de 90 dias, a contar da data de publicação do decreto, para contestar as áreas indígenas.
O texto continua: "Para fim de assegurar o exercício da manifestação, a Funai informou a este ministério que, nessa unidade da Federação (Pará), as demarcações suscetíveis da manifestação assegurada pelo decreto".
Em seguida, são listadas uma a uma as 14 áreas indígenas do Pará que podem ser revistas. A listagem inclui as localizações das reservas e suas respectivas dimensões.
Antes de ser ministro, Jobim foi autor do parecer que serviu de base jurídica para o governo do Pará mover ação direta de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal), em 93, contra o decreto 22. A ação foi arquivada, tendo sido considerada inadequada pelos ministros do Supremo.
Pela carta de Jobim, o governo do Pará poderá contestar quase a metade das 36 áreas indígenas do Estado, que representam mais de 22,1 milhões de hectares.
Entre as 14 terras apontadas pelo ministro da Justiça como possíveis de de atender às reclamações do governador Almir Gabriel, 6 foram demarcadas, mas ainda não homologadas pelo presidente da República.
A demarcação mais antiga ocorreu em 1977 -a área indígena Munduruku, cuja superfície é de 948.541 hectares. As outras oito estão aguardando demarcação, tendo sido já identificadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
Relatório da Funai de novembro do ano passado, obtido pela Folha, indica que uma das áreas que constam na carta de Jobim ao governador do Pará -Rio Curuá, identificada em 1985- não apresenta problemas fundiários. Contra cinco reservas, existem ações tramitando na Justiça.
"Estamos indignados", disse ontem o secretário-geral do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Saulo Feitosa. "Além de criar o decreto que possibilita as contestações das áreas indígenas, (Jobim) agora estimula os governadores a entrarem com recursos, citando quais áreas são passíveis de manifestações contrárias."
"Esse não é o papel de ministro de Estado. Ele agora ajuda a contestar terras que são propriedades da União", afirmou Feitosa.

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