São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 1996
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Governo constata caos nas cidades

VICTOR AGOSTINHO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

As cidades brasileiras são excludentes, desorganizadas, centralizadoras e desordenadas, revela o relatório brasileiro que vai ser apresentado na 2ª Conferência de Assentamentos Humanos (Habitat 2) das Nações Unidas.
A reunião de cúpula da ONU, que será realizada em Istambul (Turquia), em junho, vai reunir delegações de 185 países para discutir o futuro das cidades e dos assentamentos humanos (leia texto nesta página).
São esperadas para a última grande conferência da ONU deste século cerca de 60 mil pessoas -entre delegados, urbanistas, empresários e representantes de organizações não-governamentais.
O relatório brasileiro, ao qual a Folha teve acesso com exclusividade, foi concluído na última quarta-feira e já está aprovado.
O documento brasileiro, com 120 páginas, foi compilado pela arquiteta e urbanista do Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) Marlene Fernandes, que também é consultora da ONU.
Em entrevista à Folha, Marlene Fernandes comentou alguns pontos que serão apresentados na ONU pelo embaixador Geraldo Holanda Cavalcanti, chefe da delegação brasileira.
Na opinião de Marlene, sob a ótica dos números, o Brasil não está tão mal. Dos 35 milhões de domicílios brasileiros, 1,6 milhão está em favelas. Outros 150 mil domicílios são considerados "improvisados". Ou seja, tecnicamente, apenas 5% dos domicílios brasileiros estão inadequados.
Mas, segundo a relatora, os números do documento brasileiro não resistem a uma análise qualitativa dos domicílios no país.
"O déficit habitacional brasileiro é qualitativo. Embora esse déficit seja quantitativamente de 3,5 milhões de casas nas cidades e 1,6 milhão na zona rural, os pobres vivem em áreas de risco e suas moradias não oferecem boas condições. As estatísticas por si só não mostram isso claramente", disse.
Quando o objeto de estudo do relatório são os domicílios ligados à rede de esgoto, as estatísticas mostram, segundo Marlene, a precariedade resultante da falta de investimentos governamentais.
Cinco milhões de domicílios não têm nenhum tipo de esgoto. Somente 12 milhões dos 35 milhões de domicílios estão conectados a redes de esgoto. Os outros 18 milhões de domicílios possuem alguma forma de coleta de esgoto, mesmo que seja improvisada.
A má qualidade de vida das cidades brasileiras, explica a relatora, é resultado da pouca capacidade de investimento dos governos centrais e locais.
"A inflação da década de 80, juntamente com o endividamento externo, desestruturou o país. Os investimentos em infra-estrutura foram muito reduzidos", afirmou a relatora do documento.
Segundo Marlene, "mesmo refletindo uma rede urbana desequilibrada, longe de ser ideal, a posição brasileira é muito melhor do que a dos países africanos, por exemplo. A urbanização já implantada no Brasil é um recurso que o país tem para enfrentar seus problemas. O Brasil já é um país completamente urbanizado".
O documento reflete a posição de especialistas e leigos que discutiram o tema em quatro encontros realizados durante o ano passado.
Outras 53 sugestões, de entidades e técnicos de diversas áreas, foram encaminhadas à relatora.
O relatório brasileiro será agora traduzido para o inglês para ser apresentado pelo Itamaraty como posição oficial do governo em uma reunião em Nova York, entre 5 e 16 de fevereiro. No encontro, serão negociados os últimos detalhes para a reunião de Istambul.

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