São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 1996
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Pedras rolantes

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO - Quem foi ao Hollywood Rock viu que mais "dark" do que o The Cure e mais "heavy" do que o White Zombie são os arredores do Sambódromo.
É uma situação que se repete também nos carnavais. Dentro da "passarela do samba" tudo é fantasia, do lado de fora fica a vida sem paetês. Também sem luz, sem limpeza, sem fiscalização sanitária.
O que sobra são as ruas mal-iluminadas, o mau cheiro das calçadas escuras, a falta de preservação das construções antigas. Um cenário de deterioração, embalado pela gritaria dos camelôs no duro exercício da sobrevivência.
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A RTPI (Rádio e Televisão Portuguesa Internacional) apresentou recentemente um documentário, em seu canal na TV paga, mostrando o roteiro do barroco no Brasil. Logo no início da viagem os repórteres se defrontaram com o abandono dos marcos históricos.
No local onde deveria estar o porto da Estrela, o início da estrada real entre o Rio e Minas, os portugueses só encontraram escombros. A explicação foi lacônica. A população pobre da região usa as pedras para suas casas.
A Europa está cheia de casos semelhantes, onde moradores canibalizaram a história para viver. A diferença é que aqui se continua a fazer isso até hoje e, diante das prioridades do país, não parece que a situação vá mudar.
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Para mudar, é preciso educação. O prefeito de Quixaba, no sertão pernambucano, sabe disso, mesmo sendo analfabeto, mostra reportagem publicada em "O Globo" desse domingo.
Quando assumiu a prefeitura, em 93, a cidade só tinha uma escola em ruínas. Hoje, há 27 escolas, com 1.700 alunos matriculados, 55 professoras ganhando até R$ 280,00, salário atraente para os padrões regionais. Tudo com um orçamento de R$ 56 mil mensais.
O prefeito não quer a reeleição. Seus planos são deixar a prefeitura e se matricular em uma das escolas, para aprender a ler. Ele quer ser advogado. Suas mais recentes aquisições foram uma parabólica, um videocassete e uma TV para que as professoras se atualizem com os cursos de educação à distância.
Talvez até assistam a cenas do Hollywood Rock e vejam o show antológico no qual Robert Plant não quis cantar "Stairway to Heaven". Não faz mal, nem precisava tanto.

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