São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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Colombianos levam pescadores à miséria

ANDRÉ MUGGIATI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM TABATINGA

Cerca de 5.000 pescadores brasileiros vivem em condições de miséria às margens do rio Solimões, em função de um esquema montado por comerciantes colombianos para monopolizar o comércio do peixe brasileiro.
O esquema, que envolve empréstimos pagos com peixe, funciona na região do alto rio Solimões, entre os municípios de Jutaí e Tabatinga (1.100 km a oeste de Manaus), no Amazonas, e está sendo investigado em inquérito pela Polícia Federal.
Segundo o Inpa (Instituto Nacional de Pesca e Agricultura), ligado ao Ministério da Agricultura da Colômbia, os comerciantes colombianos financiam hoje cerca de 80 barcos com motor, redes, gelo e alimentação para atravessadores que trabalham do lado brasileiro.
Esses atravessadores, além de pescarem, também compram o peixe obtido pelos pescadores que vivem nas margens do rio Solimões. Os atravessadores pagam suas dívidas aos comerciantes colombianos entregando os peixes.
Os atravessadores pagam aos pequenos pescadores entre R$ 0,30 e R$ 1,00 por quilo de peixe, segundo o tamanho e a espécie. Nos frigoríficos da Colômbia, o peixe vale entre R$ 0,80 e R$ 2,00.
Rede de dívidas
Os pescadores da beira do rio afirmam que ganham até R$ 200 por mês, entre julho e setembro, quando há mais peixe.
Em outros meses, porém, eles mal conseguem suprir as exigências dos comerciantes, que cobram as dívidas contraídas.
Todos os dias, os intermediários visitam as casas dos pequenos pescadores. Durante a visita, eles dão aos fornecedores gelo, redes de pesca e, eventualmente, comida.
Ao receber o gelo, o pequeno pescador fica comprometido a entregar sua produção para aquele intermediário. Com o vínculo estabelecido, o intermediário dita o preço do peixe e paga o quanto quer pelo produto.
Comerciantes
Os intermediários têm vínculos semelhantes com os comerciantes colombianos. Por terem recebido barcos, redes, motores, alimentação e adiantamentos em dinheiro dos comerciantes, ficam obrigados a pagar as dívidas em peixe.
Segundo os brasileiros, os comerciantes não aceitam pagamento em dinheiro, pois recebendo em peixe eles determinam o preço.
O endividamento é feito informalmente, bastando aos brasileiros assinar seu nome em uma folha de papel onde consta o valor dos bens "adiantados".
Em maio deste ano, o promotor de Tabatinga Luiz Tadeu Calderoni foi procurado pelo Consulado da Colômbia na cidade.
Segundo o promotor, o cônsul Fernando Pacheco Zuñiga solicitou ao Ministério Público brasileiro que auxiliasse os comerciantes colombianos a cobrar dívidas que não estariam sendo pagas por brasileiros.
As dívidas eram referentes a adiantamentos feitos para a compra de barcos e alimentos para pescadores e intermediários brasileiros. Para comprovar os débitos, o consulado forneceu documentos de frigoríficos nos quais os brasileiros assinavam seus nomes sob o valor das dívidas contraídas.
Polícia Federal
"Quando vi do que se tratava, encaminhei imediatamente uma cópia dos papéis para a Polícia Federal", disse Calderoni.
Para o promotor, os papéis são evidências de que os pescadores brasileiros são explorados pelos colombianos, pois mostram um vínculo empregatício informal estabelecido por meio de dívida. A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a situação.
O cônsul da Colômbia em Tabatinga afirmou não ter permissão de seu governo para se manifestar sobre o assunto.
Legislação
Segundo o Inpa (Instituto Nacional de Pesca e Agricultura), da Colômbia, a maior parte do peixe congelado em Letícia vem do Brasil porque as leis ambientais são menos severas em nosso país.
Para Bernardo Corrales, do Inpa, além da legislação, as autoridades colombianas também são mais severas na repressão contra a pesca predatória. "No Brasil, é permitida a pesca de arrastão e as redes podem ter malhas mais finas", disse.

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